São Paulo, domingo, 16 de agosto de 1998

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Baltika tenta fazer os russos esquecerem a vodca

VÉRONIQUE SOULÉ
do ''Libération'', em Moscou

Pavel Dejkoun, 36 anos, sonhava ser jogador de futebol, mas foi obrigado a desistir da idéia depois de uma séria contusão. Tornou-se professor de ginástica e bebedor -de cerveja.
Hoje é presidente da Associação Russa dos Amantes da Cerveja, criada em 1995 com o objetivo de ''transformar a Rússia de país da vodca em país da cerveja''.
Os russos, campeões mundiais no consumo de vodca, ainda estão longe dos grandes países consumidores de cerveja.
Bebendo em média 20 litros de cerveja por ano, o russo perde para os alemães, que tomam 140. Os tchecos bebem 162. Mas a cerveja está em alta. Entre 1996 e 1997, seu consumo subiu 15% no país.
Uma nova cultura está nascendo nas grandes cidades, especialmente Moscou e São Petersburgo. Foram abertos bares e restaurantes que oferecem chope e cervejas, como a russa Baltika, impossíveis de serem encontrados há dez anos.
Preocupada em não ferir as tradições, a associação promove uma campanha fundada em bases pragmáticas: ela aconselha a vodca para festas e cerimônias, a cerveja para quem quer relaxar depois do trabalho.
"Estamos assistindo a uma lenta transição da vodca à cerveja'', confirma Alexandre Tchupejkin, diretor de uma revista sobre cerveja criada em 1996.
A esperança de mudança é depositada nos jovens cidadãos urbanos. Os ''bikers'' optam pela Miller (americana); os moscovitas preferem a russa Baltika.
Mas ainda restam vários obstáculos à penetração da cerveja. O primeiro deles é o preço. Uma garrafa de meio litro de vodca custa em torno de 15 rublos (cerca de RÏ 2,85); ''para obter o mesmo resultado'' com cerveja, é preciso gastar o triplo. Num bar moscovita, o caneco de cerveja estrangeira chega a custar entre US$ 5 e US$ 6 (de RÏ 5,85 a RÏ 7). Além disso, há antigas, e más, recordações. Tchupejkin recorda que, sob o comunismo, ''os bares que vendiam cerveja eram escuros e cheiravam mal. O freguês ficava em pé diante de mesas sujas e gordurosas. Sempre faltavam copos''. A cerveja só era servida com peixes secos.
Outro problema é que a cerveja fazia parte dos produtos que costumavam estar em falta. Para poder comprá-la, era preciso fazer fila horas antes da entrega.
Muitos já se esqueceram de que, antes da Revolução Russa, o país produzia uma das melhores cervejas da Europa. No início do século 19, a Rússia tinha duas escolas de formação de fabricantes de cerveja. Várias grandes cervejarias fundadas na época ainda sobrevivem em São Petersburgo. É o caso da Stepan Razin, que acaba de abrir um museu da cerveja.
O fenômeno dos últimos anos é o sucesso fulgurante da cervejaria Baltika, na região de São Petersburgo. Criada em 1991 por um consórcio escandinavo, ela já domina 30% do mercado moscovita.
A indústria da cerveja é um dos poucos setores atraentes para os investidores estrangeiros na Rússia. O retorno sobre o investimento é rápido.
Apesar disso, o lobby pró-cerveja ainda está em seus primórdios. Alguns cantores e atores militam nele, mas poucas figuras públicas. Os políticos ainda preferem a vodca. O ultranacionalista Vladimir Jirinovski produz sua própria marca de vodca, e as preferências de Ieltsin, antes de sua cirurgia cardíaca, eram conhecidas.



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