São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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"Americanos querem afirmar seu poder", diz analista

Damir Sagolj/Reuters
JOGO Deficientes físicos iraquianos jogam partida de basquete em ginásio de Bagdá com retrato gigante do ditador Saddam Hussein ao fundo; a maior parte deles é ex-combatente da Guerra do Golfo


MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

O governo dos EUA está decidido a atacar o Iraque por uma razão fundamental: a invasão de Bagdá e a deposição de Saddam Hussein serviria como uma "afirmação do poder americano".
Essa é a tese defendida pelo professor britânico Charles Tripp, especialista em política do Oriente Médio da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres.
Segundo ele, diferentemente de 1990, no período anterior à Guerra do Golfo, os países vizinhos ao Iraque não se sentem ameaçados agora por Saddam e, por isso, se negam a se aliar a Washington numa possível campanha militar.
Autor de, entre outros livros, "A History of Iraq" (Uma história do Iraque), Tripp concedeu à Folha, por telefone, a seguinte entrevista:

Folha - Por que os EUA pressionam com tanta força agora por um ataque ao Iraque? Quais são os seus verdadeiros motivos?
Charles Tripp -
A questão das armas de destruição em massa é um pretexto. Trata-se na verdade da afirmação do poder americano. Quando eles observam o que houve em 11 de setembro, atribuem os atentados como resultado do fato de os EUA não terem dissuadido suficientemente seus inimigos. Precisam agora -com a deposição de Saddam Hussein e a ocupação do Iraque- demonstrar o poder americano de uma forma clara. Isso conteria futuros ataques terroristas.
Também pensam que a ação manteria o Irã intimidado. A sua presença [em solo iraquiano" assustaria ainda os sauditas, que concluiriam que não são os únicos produtores de petróleo.
Isso também colocaria pressão sobre os sírios e os palestinos, que teriam de aceitar fazer acordos com Israel e com os EUA. Não se trata de armas de destruição em massa, mas sim de uma nova forma de unilateralismo americano.

Folha - Se Bush decidir atacar o Iraque, quais países da região prestariam apoio aos EUA?
Tripp -
A Turquia, com certeza, e o Kuait. E alguns Estados pequenos do golfo, como o Qatar, que seria importante base militar americana. Não vejo entusiasmo por parte de Síria, Arábia Saudita e Egito em participar da aliança.

Folha - A guerra é inevitável?
Tripp -
Talvez não seja inevitável. Mas Bush e as pessoas que o cercam querem se livrar de Saddam. E a única forma que encontraram para fazê-lo é invadindo o Iraque.
Já o Iraque não é muito bom em sua interpretação do cenário internacional. Seria sensato da parte deles aceitar a volta dos inspetores, eliminando os argumentos de Washington. Mas eles podem optar por desafiar os EUA, acreditando numa noção fictícia de resistência árabe. Há duas forças se confrontando. Não creio que a guerra seja inevitável, mas os fatores a tornam muito provável.

Folha - Por que os EUA, que tiveram apoio árabe na Guerra do Golfo, têm dificuldades para obter apoio contra Saddam agora?
Tripp -
Em 1991, muitos dos países árabes sentiram-se ameaçados pela invasão do Kuait. A diferença agora é que nenhum deles vê o Iraque como uma ameaça à sua segurança, exceto talvez o Kuait.
Em 1990, não havia controvérsias sobre a violação das normas internacionais - o Iraque decidira varrer do mapa um Estado soberano. Mas, agora, a acusação de que o Iraque violou resoluções do Conselho de Segurança é mais complexa. Afinal, eles cumpriram algumas delas e respeitaram parcialmente outras. Os líderes não acham que isso seja razão para ação militar como em 1991.


Folha - Qual papel teria Israel numa guerra?
Tripp -
Os árabes estão contra a campanha militar. Se Israel entrar, ficarão ainda mais contrariados. Há a expectativa de que Saddam faria ao menos gesto simbólico bombardeando Israel, embora a sua capacidade militar de fazê-lo tenha sido bastante reduzida. Israel toma isso como pretexto para se juntar aos EUA. Eles possuem uma causa comum. Os americanos não devem segurar Israel, como fizeram na Guerra do Golfo. Há um perigo de haver essa polarização no Oriente Médio.

Folha - A maioria dos líderes do golfo dizem ser contra um ataque. Não seria benéfico a eles o fim da era Saddam Hussein?
Tripp -
Sim, principalmente para o Kuait. Os sauditas e sírios também não derramariam lágrimas por Saddam. O que eles temem, entretanto, é que os EUA se tornem profundamente envolvidos na política iraquiana, que venham a tentar reconstruir um Iraque que, durante os esforços de reconstrução, seria um país instável. Eles acham que a visão americana centrada apenas em Saddam é superficial. Preocupam-se com quem os americanos escolheriam para substituí-lo. Não há nenhum substituto óbvio, o que causa temores de instabilidade. Saddam dominou de tal forma a política iraquiana que não há no momento nenhuma alternativa a ele.

Folha - Os vizinhos temem uma divisão do território do Iraque?
Tripp -
Quando os árabes analisam o Iraque, não pensam tanto numa fragmentação do Estado, mas lembram do caso do Líbano [país que, na guerra civil (1975-89), foi ocupado por israelenses, sírios e dividido em zonas de influência de cada grupo religioso libanês". E dizem: "você quer um grande Líbano na sua fronteira?"

Folha - O que a Guerra do Golfo ensina aos atuais governantes?
Tripp -
Uma das lições tiradas pelos chefes militares americanos é que o uso de imenso poderio militar para conquistar seus objetivos pode ser recompensador. A Guerra do Golfo mostrou que você pode obter o que quiser com bombardeios em larga escala.
Politicamente, há a sensação de que, embora a situação hoje seja difícil, em 1990 também falava-se que o mundo árabe se rebelaria contra os EUA. E isso não ocorreu. Os EUA saíram daquela guerra fortalecidos na região. Ou seja, é possível atacar o Iraque e sustentar regimes pró-americanos na região ao mesmo tempo.


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