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"Americanos querem afirmar seu poder", diz analista
Damir Sagolj/Reuters | |
JOGO Deficientes físicos iraquianos jogam partida de basquete em ginásio de Bagdá com retrato
gigante do ditador Saddam Hussein ao fundo; a maior parte deles é ex-combatente da Guerra do Golfo |
MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO
O governo dos EUA está decidido a atacar o Iraque por uma razão fundamental: a invasão de
Bagdá e a deposição de Saddam
Hussein serviria como uma "afirmação do poder americano".
Essa é a tese defendida pelo professor britânico Charles Tripp, especialista em política do Oriente
Médio da Escola de Estudos
Orientais e Africanos (SOAS) da
Universidade de Londres.
Segundo ele, diferentemente de
1990, no período anterior à Guerra do Golfo, os países vizinhos ao
Iraque não se sentem ameaçados
agora por Saddam e, por isso, se
negam a se aliar a Washington
numa possível campanha militar.
Autor de, entre outros livros, "A
History of Iraq" (Uma história do
Iraque), Tripp concedeu à Folha,
por telefone, a seguinte entrevista:
Folha - Por que os EUA pressionam com tanta força agora por um
ataque ao Iraque? Quais são os
seus verdadeiros motivos?
Charles Tripp - A questão das armas de destruição em massa é um
pretexto. Trata-se na verdade da
afirmação do poder americano.
Quando eles observam o que
houve em 11 de setembro, atribuem os atentados como resultado do fato de os EUA não terem
dissuadido suficientemente seus
inimigos. Precisam agora -com
a deposição de Saddam Hussein e
a ocupação do Iraque- demonstrar o poder americano de uma
forma clara. Isso conteria futuros
ataques terroristas.
Também pensam que a ação
manteria o Irã intimidado. A sua
presença [em solo iraquiano" assustaria ainda os sauditas, que
concluiriam que não são os únicos produtores de petróleo.
Isso também colocaria pressão
sobre os sírios e os palestinos, que
teriam de aceitar fazer acordos
com Israel e com os EUA. Não se
trata de armas de destruição em
massa, mas sim de uma nova forma de unilateralismo americano.
Folha - Se Bush decidir atacar o
Iraque, quais países da região prestariam apoio aos EUA?
Tripp - A Turquia, com certeza, e
o Kuait. E alguns Estados pequenos do golfo, como o Qatar, que
seria importante base militar
americana. Não vejo entusiasmo
por parte de Síria, Arábia Saudita
e Egito em participar da aliança.
Folha - A guerra é inevitável?
Tripp - Talvez não seja inevitável.
Mas Bush e as pessoas que o cercam querem se livrar de Saddam.
E a única forma que encontraram
para fazê-lo é invadindo o Iraque.
Já o Iraque não é muito bom em
sua interpretação do cenário internacional. Seria sensato da parte
deles aceitar a volta dos inspetores, eliminando os argumentos de
Washington. Mas eles podem optar por desafiar os EUA, acreditando numa noção fictícia de resistência árabe. Há duas forças se
confrontando. Não creio que a
guerra seja inevitável, mas os fatores a tornam muito provável.
Folha - Por que os EUA, que tiveram apoio árabe na Guerra do Golfo, têm dificuldades para obter
apoio contra Saddam agora?
Tripp - Em 1991, muitos dos países árabes sentiram-se ameaçados
pela invasão do Kuait. A diferença
agora é que nenhum deles vê o
Iraque como uma ameaça à sua
segurança, exceto talvez o Kuait.
Em 1990, não havia controvérsias sobre a violação das normas
internacionais - o Iraque decidira varrer do mapa um Estado soberano. Mas, agora, a acusação de
que o Iraque violou resoluções do
Conselho de Segurança é mais
complexa. Afinal, eles cumpriram
algumas delas e respeitaram parcialmente outras. Os líderes não
acham que isso seja razão para
ação militar como em 1991.
Folha - Qual papel teria Israel numa guerra?
Tripp - Os árabes estão contra a
campanha militar. Se Israel entrar, ficarão ainda mais contrariados. Há a expectativa de que Saddam faria ao menos gesto simbólico bombardeando Israel, embora a sua capacidade militar de fazê-lo tenha sido bastante reduzida. Israel toma isso como pretexto
para se juntar aos EUA. Eles possuem uma causa comum. Os
americanos não devem segurar
Israel, como fizeram na Guerra do
Golfo. Há um perigo de haver essa
polarização no Oriente Médio.
Folha - A maioria dos líderes do
golfo dizem ser contra um ataque.
Não seria benéfico a eles o fim da
era Saddam Hussein?
Tripp - Sim, principalmente para
o Kuait. Os sauditas e sírios também não derramariam lágrimas
por Saddam. O que eles temem,
entretanto, é que os EUA se tornem profundamente envolvidos
na política iraquiana, que venham
a tentar reconstruir um Iraque
que, durante os esforços de reconstrução, seria um país instável. Eles acham que a visão americana centrada apenas em Saddam
é superficial. Preocupam-se com
quem os americanos escolheriam
para substituí-lo. Não há nenhum
substituto óbvio, o que causa temores de instabilidade. Saddam
dominou de tal forma a política
iraquiana que não há no momento nenhuma alternativa a ele.
Folha - Os vizinhos temem uma
divisão do território do Iraque?
Tripp - Quando os árabes analisam o Iraque, não pensam tanto
numa fragmentação do Estado,
mas lembram do caso do Líbano
[país que, na guerra civil (1975-89), foi ocupado por israelenses,
sírios e dividido em zonas de influência de cada grupo religioso
libanês". E dizem: "você quer um
grande Líbano na sua fronteira?"
Folha - O que a Guerra do Golfo
ensina aos atuais governantes?
Tripp - Uma das lições tiradas
pelos chefes militares americanos
é que o uso de imenso poderio
militar para conquistar seus objetivos pode ser recompensador. A
Guerra do Golfo mostrou que você pode obter o que quiser com
bombardeios em larga escala.
Politicamente, há a sensação de
que, embora a situação hoje seja
difícil, em 1990 também falava-se
que o mundo árabe se rebelaria
contra os EUA. E isso não ocorreu. Os EUA saíram daquela guerra fortalecidos na região. Ou seja,
é possível atacar o Iraque e sustentar regimes pró-americanos
na região ao mesmo tempo.
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