|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EM BUSCA DO PAPA
Votações confusas de cardeais também provocaram batalhas e brigas de sangue
Venalidade e ingerências já mancharam os conclaves
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Benedito 9º, papa entre 1032 e
1045, é um caso bem pouco edificante na história do cristianismo.
A "Enciclopédia Católica", em geral comedida, qualifica-o de "desgraça no trono de São Pedro".
Os dois episódios que elucidam
essa avaliação excepcionalmente
negativa estão no conclave que o
elegeu e naquele do qual saiu o
seu sucessor, o papa Gregório 6º.
Sua família tinha muito dinheiro. Dois de seus tios pertenciam
também ao alto clero. Seu pai subornou os cardeais para que o filho, com 20 anos e que nem padre
era, virasse sumo pontífice.
A certa altura eram fortes os rumores, em Roma, de que ele, o papa, estava para se casar. Sem condições de prosseguir no pontificado, renunciou e entregou o poder
a seu padrinho, o bispo João Graciano, também seu sucessor no
papado e de quem recebeu uma
soma significativa de dinheiro.
Em outras palavras, ele comprou o pontificado e em seguida
conseguiu também revendê-lo.
Pelas contas oficiais, a igreja já
teve 265 papas. São raríssimas histórias semelhantes. Mesmo em
períodos de escândalos, os historiadores notam a presença e a autoridade de clérigos preocupados
com a decência e com a sobrevivência institucional da igreja.
Aconteceram, mesmo assim,
sucessões papais atribuladas, sujeitas à influência militar e diplomática de governos estrangeiros,
ou simplesmente suspeitas de algum tipo de venalidade.
Essas confusões tinham como
principal causa o fato de o papa
ter sido por séculos chefe de um
Estado com fortes interesses temporais. Países vizinhos ou distantes, amistosos ou hostis, sentiam-se no direito de influenciar. Como
os papas não são soberanos de
uma dinastia familiar, os tronos
estrangeiros concentravam suas
pressões sobre os conclaves.
É assim que os imperadores bizantinos tinham sobre a igreja um
"direito de exclusão": poderiam
excluir um cardeal com a eleição
já garantida no gargalo de um determinado conclave.
Com o Império Bizantino já extinto, há o exemplo mais recente
do conclave de 1513, no qual o cardeal Giovanni de Médici, um dos
filhos de Lourenço, o Grande, de
Florença, tornou-se Leão 10º. Como cardeal, ele havia sido feito
prisioneiro dos franceses, após a
derrota em Ravena de espanhóis e
tropas papais. Mas a França acabou por apoiar seu pontificado.
Ele fora um candidato de conciliação entre dois outros cardeais
-dos partidos francês e austríaco- capazes de somar inicialmente mais votos.
Roteiro idêntico ocorreu em
1644. Diante do impasse entre
franceses e austríacos, o cardeal
Giambattista Pamfili se tornou
Inocêncio 10º ao fim do conclave.
Mas um de seus rivais da cúria,
cardeal Barberini, acusado de corrupção, refugiou-se na França. O
papa expropriou seus bens. O cardeal Mazarini, primeiro-ministro
francês, armou então suas tropas
para invadir os Estados Papais.
Alguém pode argumentar que
são coisas ocorridas há muitos séculos. Pois em 1903 algo um pouco semelhante aconteceu. Leão 13
acabava de morrer. Mas muitas
controvérsias ocorreram antes
que o cardeal Giuseppe Sarto o
sucedesse como Pio 10º.
O vaticanista Alberto Melloni,
em "Como se Elege um Papa"
(Paulinas, 2002) relata como a
candidatura favorita naquele conclave, a de Mariano Rampolla, foi
vetada pelo Império Austro-Húngaro. Rampolla era considerado
"pró-francês". Viena usou o mesmo direito utilizado no passado
por Bizâncio. Seu embaixador no
Vaticano excluiu Rampolla do páreo. Foi a última vez que tal forma
de ingerência ocorreu.
O papel da França e da Áustria
merece uma explicação. Nobres
franceses haviam provocado uma
cisão no cristianismo medieval,
transferindo a sede do papado para Avignon (séculos 14 e 15). Foi o
Cisma do Ocidente. Mantinham
também ambições políticas sobre
a península Itálica. A Áustria fazia
fronteira com a atual Itália e controlava parte dela (Milão, Veneza). Manteve-se fiel ao catolicismo após a Reforma, contrariamente ao norte da atual Alemanha, Escócia ou países nórdicos.
Os interesses geopolíticos franceses e austríacos eram menos religiosos e mais profanos. A intensa influência que mantiveram sobre sucessivos conclaves desacreditava entre os fiéis a idéia de que
a eleição de um papa se dava por
razões canônicas ou pela intervenção do Espírito Santo.
Desse modo, foi bem típico o
conclave de 1800, no qual o bispo
Barnabá Chiaramonti se tornou o
papa Pio 7º. Os austríacos exerceram por duas vezes seu direito à
exclusão contra fortes candidatos,
os cardeais Bellisomi e Gerdil.
Pio 7º se preocupava com a
França, onde a Revolução de 1789
desestruturara a igreja. Depois de
um breve idílio bilateral (1801-1804), seguem-se hostilidades,
com a invasão de Roma pelos
franceses e o seqüestro do papa
por Napoleão 1º, mantido prisioneiro entre 1809 e 1814.
No conclave seguinte, com quase dois terços dos votos, o cardeal
Severoli sofreu o veto da Áustria.
Foi eleito em seu lugar Aníbal della Genga, que pontificou com o
nome de Leão 12.
Texto Anterior: Bispo abriu portas da própria casa a grevistas do ABC Próximo Texto: João 19 pagou para se tornar papa Índice
|