São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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EM BUSCA DO PAPA

Votações confusas de cardeais também provocaram batalhas e brigas de sangue

Venalidade e ingerências já mancharam os conclaves

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Benedito 9º, papa entre 1032 e 1045, é um caso bem pouco edificante na história do cristianismo. A "Enciclopédia Católica", em geral comedida, qualifica-o de "desgraça no trono de São Pedro".
Os dois episódios que elucidam essa avaliação excepcionalmente negativa estão no conclave que o elegeu e naquele do qual saiu o seu sucessor, o papa Gregório 6º.
Sua família tinha muito dinheiro. Dois de seus tios pertenciam também ao alto clero. Seu pai subornou os cardeais para que o filho, com 20 anos e que nem padre era, virasse sumo pontífice.
A certa altura eram fortes os rumores, em Roma, de que ele, o papa, estava para se casar. Sem condições de prosseguir no pontificado, renunciou e entregou o poder a seu padrinho, o bispo João Graciano, também seu sucessor no papado e de quem recebeu uma soma significativa de dinheiro.
Em outras palavras, ele comprou o pontificado e em seguida conseguiu também revendê-lo.
Pelas contas oficiais, a igreja já teve 265 papas. São raríssimas histórias semelhantes. Mesmo em períodos de escândalos, os historiadores notam a presença e a autoridade de clérigos preocupados com a decência e com a sobrevivência institucional da igreja.
Aconteceram, mesmo assim, sucessões papais atribuladas, sujeitas à influência militar e diplomática de governos estrangeiros, ou simplesmente suspeitas de algum tipo de venalidade.
Essas confusões tinham como principal causa o fato de o papa ter sido por séculos chefe de um Estado com fortes interesses temporais. Países vizinhos ou distantes, amistosos ou hostis, sentiam-se no direito de influenciar. Como os papas não são soberanos de uma dinastia familiar, os tronos estrangeiros concentravam suas pressões sobre os conclaves.
É assim que os imperadores bizantinos tinham sobre a igreja um "direito de exclusão": poderiam excluir um cardeal com a eleição já garantida no gargalo de um determinado conclave.
Com o Império Bizantino já extinto, há o exemplo mais recente do conclave de 1513, no qual o cardeal Giovanni de Médici, um dos filhos de Lourenço, o Grande, de Florença, tornou-se Leão 10º. Como cardeal, ele havia sido feito prisioneiro dos franceses, após a derrota em Ravena de espanhóis e tropas papais. Mas a França acabou por apoiar seu pontificado. Ele fora um candidato de conciliação entre dois outros cardeais -dos partidos francês e austríaco- capazes de somar inicialmente mais votos.
Roteiro idêntico ocorreu em 1644. Diante do impasse entre franceses e austríacos, o cardeal Giambattista Pamfili se tornou Inocêncio 10º ao fim do conclave. Mas um de seus rivais da cúria, cardeal Barberini, acusado de corrupção, refugiou-se na França. O papa expropriou seus bens. O cardeal Mazarini, primeiro-ministro francês, armou então suas tropas para invadir os Estados Papais.
Alguém pode argumentar que são coisas ocorridas há muitos séculos. Pois em 1903 algo um pouco semelhante aconteceu. Leão 13 acabava de morrer. Mas muitas controvérsias ocorreram antes que o cardeal Giuseppe Sarto o sucedesse como Pio 10º.
O vaticanista Alberto Melloni, em "Como se Elege um Papa" (Paulinas, 2002) relata como a candidatura favorita naquele conclave, a de Mariano Rampolla, foi vetada pelo Império Austro-Húngaro. Rampolla era considerado "pró-francês". Viena usou o mesmo direito utilizado no passado por Bizâncio. Seu embaixador no Vaticano excluiu Rampolla do páreo. Foi a última vez que tal forma de ingerência ocorreu.
O papel da França e da Áustria merece uma explicação. Nobres franceses haviam provocado uma cisão no cristianismo medieval, transferindo a sede do papado para Avignon (séculos 14 e 15). Foi o Cisma do Ocidente. Mantinham também ambições políticas sobre a península Itálica. A Áustria fazia fronteira com a atual Itália e controlava parte dela (Milão, Veneza). Manteve-se fiel ao catolicismo após a Reforma, contrariamente ao norte da atual Alemanha, Escócia ou países nórdicos.
Os interesses geopolíticos franceses e austríacos eram menos religiosos e mais profanos. A intensa influência que mantiveram sobre sucessivos conclaves desacreditava entre os fiéis a idéia de que a eleição de um papa se dava por razões canônicas ou pela intervenção do Espírito Santo.
Desse modo, foi bem típico o conclave de 1800, no qual o bispo Barnabá Chiaramonti se tornou o papa Pio 7º. Os austríacos exerceram por duas vezes seu direito à exclusão contra fortes candidatos, os cardeais Bellisomi e Gerdil.
Pio 7º se preocupava com a França, onde a Revolução de 1789 desestruturara a igreja. Depois de um breve idílio bilateral (1801-1804), seguem-se hostilidades, com a invasão de Roma pelos franceses e o seqüestro do papa por Napoleão 1º, mantido prisioneiro entre 1809 e 1814.
No conclave seguinte, com quase dois terços dos votos, o cardeal Severoli sofreu o veto da Áustria. Foi eleito em seu lugar Aníbal della Genga, que pontificou com o nome de Leão 12.

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