São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2005

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ELEIÇÃO IRANIANA

Para o presidente americano, a votação de hoje "ignora os requisitos básicos da democracia"; Teerã deplora

Bush questiona legitimidade política no Irã

Morteza Nikoubazl/Reuters
Iraniana e seu filho passam perto da grande mesquita da cidade de Qom, 120 km ao sul de Teerã, durante a realização de orações


DA REDAÇÃO

O presidente dos EUA, George W. Bush, questionou ontem a legitimidade do processo eleitoral iraniano e acusou Teerã de aumentar seu "histórico de opressão" ao impedir que alguns candidatos reformistas concorram à Presidência e prender dissidentes.
"O poder está nas mãos de alguns políticos que jamais foram eleitos [pelo voto popular]. Eles mantiveram o poder durante um processo eleitoral que ignora os requisitos básicos da democracia. A eleição de 17 de junho é tristemente consistente com seu histórico de opressão", declarou Bush.
Sua afirmação pareceu ser uma crítica preventiva à legitimidade da votação de hoje, visando fortalecer a pressão da comunidade internacional sobre o regime islâmico, que é acusado de buscar obter armas de destruição em massa -o que Teerã nega-, e até galvanizar a dissidência iraniana.
O Irã deplorou a declaração de Bush e disse que ela reflete a "animosidade" americana contra os iranianos e que os maiores aliados dos EUA têm regimes ditatoriais.
Curiosamente, todos os candidatos que disputam a Presidência do Irã falaram, em algum ponto da campanha, em atenuar a tensão que marca as relações entre os dois países. O preferido dos eleitores, segundo pesquisas, o ex-presidente Hashemi Rafsanjani (1989-97), chegou a dizer que "é chegada a hora" de superar rusgas do passado e que o programa nuclear iraniano é pacífico e poderá ser inspecionado pela ONU.
"Os conservadores pragmáticos [dos quais Rafsanjani é o grande líder] e todos os reformistas sabem que o Irã só tem a ganhar com uma reaproximação com os EUA. Afinal, além de poder pôr fim às sanções econômicas que pesam sobre o Irã, ela poderia abrandar a tensão geopolítica, já que o país está hoje espremido entre o Afeganistão e o Iraque", explicou à Folha Olivier Roy, diretor do Laboratório Mundo Iraniano do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França.
O vencedor do pleito iraniano terá, contudo, dificuldade em reatar com os EUA. Washington cortou relações com Teerã após a Revolução Islâmica, pois estudantes radicais invadiram a Embaixada dos EUA e mantiveram 52 americanos reféns por 444 dias.
Classificado, ao lado do Iraque de Saddam Hussein e da Coréia do Norte, de parte do "eixo do mal" por Bush há alguns anos, o Irã sofre sanções comerciais e é acusado por Washington de financiar grupos armados anti-Israel e de estar por trás do atentado que matou 19 militares americanos na Arábia Saudita, em 1996.
Político talentoso, Rafsanjani tentou dissipar a tensão na campanha porque sabe que palavras suaves em direção ao "grande satã" poderão lhe render preciosos votos do eleitorado jovem.
Nos anos 80, ele foi um intermediário no escândalo Irã-Contras, no qual Washington vendeu secretamente armas aos iranianos -que, à época, estavam em guerra com o Iraque- em troca de ajuda na resolução de um seqüestro de americanos no Líbano.
Ademais, Rafsanjani tentou quebrar o gelo em 1995, quando ofereceu um acordo de exploração de gás natural à petrolífera americana Conoco. Mas Bill Clinton rejeitou a oferta iraniana.
Para Shireen Hunter, autora de "Iran and the World: Continuity in a Revolutionary Decade" (Irã e o mundo: continuidade numa década revolucionária), a história recente iraniana é marcada por tentativas desencontradas de reaproximação de ambas as partes.
"Houve momentos em que os EUA pareciam inclinados a tentar melhorar a situação, mas Teerã não queria. Em outros, os esforços iranianos não surtiram efeito em Washington. A verdade é que a questão da segurança de Israel está no centro do problema."
Assim, para Hunter, provas de que o Irã não busca ter armas nucleares poderão facilitar a situação. "Um pouco de boa vontade em relação a Israel seria vital, mas não creio que algum líder iraniano seja capaz de dar esse passo."
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)

Com agências internacionais

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