São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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FÉ NO VOTO

Vitória de partido islâmico pragmático na Turquia pode inspirar a democracia muçulmana em outro países

Islamismo político flerta com a moderação

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

A Turquia começou a viver neste mês uma experiência política que, se bem-sucedida, pode abrir caminho para o fortalecimento de partidos islâmicos moderados em outros países do Oriente Médio.
Grande vitorioso na eleição parlamentar de 3 de novembro, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), liderado por Tayyip Erdogan, representa uma escalada do pragmatismo político no mundo do islã.
Após desafiar por três décadas o Exército e a elite do país, o movimento islâmico turco decidiu se reformular para chegar ao poder.
Após sucessivas proibições de seus partidos -banidos por ferir a norma constitucional que determina que a Turquia deve ser um Estado secular-, sua nova versão "light" promete inovar. Deseja ser um equivalente muçulmano à democracia cristã européia.
Em outras palavras, seria um governo liberal "que represente os valores da família e considere o papel da religião no sistema educacional, mas certamente sem exageros", como observa William Hale, diretor do programa de Estudos Turcos Modernos da Universidade de Londres.
A cultura islâmica -parte fundamental da identidade nacional- estará na agenda do AKP. Entretanto, se quiserem sobreviver no poder, Erdogan e seus aliados terão de deixar de lado idéia comum entre os partidos radicais islâmicos: a implementação da sharia (código de leis do islã).
"Outros líderes islâmicos no Oriente Médio podem estar observando o caso turco", diz Hale. "Os exemplos mais próximos ao AKP na região são a Irmandade Muçulmana, tanto a do Egito quanto a da Jordânia, embora, no geral, o AKP seja menos fundamentalista que eles."

Posição dos EUA
Na opinião de John L. Esposito, professor de religião e relações internacionais da Universidade Georgetown, apesar dos esforços dos EUA para apresentar qualquer movimento religioso do mundo muçulmano como extremista, é possível fazer uma distinção entre os partidos violentos e aqueles dispostos a aderir às regras democráticas.
Esse é o caso não só da Irmandade Muçulmana, mas também de partidos islâmicos em países diversos como Marrocos, Kuait e Paquistão, entre outros.
"O desafio para a política externa americana será resistir à posição de muitos de seus conselheiros, que tentam pintar qualquer forma de islamismo político como extremismo", observa ele.
"Os EUA precisam perceber que a política muçulmana não é monolítica, ela é diversificada."
Os efeitos dos atentados de 11 de setembro poderiam contribuir também para que a idéia da democracia muçulmana contagiasse, além dos partidos islâmicos já consolidados e com representantes parlamentares, os grupos extremistas islâmicos.
Para sobreviver e não serem vistos como aliados da Al Qaeda, alguns deles precisam moderar o linguajar e aderir ao processo político. Caso contrário, seriam alvo dos EUA e de regimes aliados a Washington. Esse é o caso, embora de forma ainda ambígua, do Gama'a Islamia egípcio, grupo conhecido por assassinar turistas estrangeiros no país, que declarou um cessar-fogo incondicional após os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono.
Ainda incipiente, a idéia da democracia muçulmana que começa a ganhar força na Turquia deve, porém, esbarrar no histórico autoritarismo dos governos do Oriente Médio.
Enquanto os turcos votam livremente em pleitos multipartidários, as eleições em seus países vizinhos não passam de encenações teatrais para conferir um verniz de legitimidade aos ditadores.
Ainda assim, o avanço de um islamismo político moderado poderia contribuir para o processo de democratização na região.



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