São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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Crises domésticas beneficiam grupos islâmicos

DA REDAÇÃO

Há uma tendência na imprensa e nos meios acadêmicos dos EUA que busca explicar os desenvolvimentos políticos do mundo islâmico como resultado da reação dessas sociedades ao Ocidente.
Por essa ótica, o antiamericanismo personificado na figura de Osama bin Laden seria a principal razão dos bons resultados eleitorais obtidos recentemente por partidos islâmicos de países tão distintos entre si como Paquistão, Turquia, Bahrein e Marrocos.
A irritação com Washington -e com os regimes do Oriente Médio aliados ao país de George W. Bush- é apenas parte da explicação dos motivos que vêm elevando a popularidade dos movimentos muçulmanos.
O fator doméstico -a desilusão popular com o fracasso do governo em lidar com crises econômicas e sociais agudas- talvez seja uma razão mais concreta para o presente fenômeno.
"A grande maioria dos turcos votou em [Tayyip" Erdogan não porque ele apóia posições islâmicas, mas em protesto contra o último governo do premiê Bulent Ecevit, visto como corrupto", disse William Hale, professor da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres.
"A maioria votou por razões pragmáticas e não-religiosas. E Erdogan precisa prestar atenção à natureza desse apoio popular", afirmou Hale.
John L. Esposito, professor de religião e relações internacionais da Universidade Georgetown, também vê a vitória do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) sob o prisma da amargura doméstica.
"[A vitória do AKP" é sinal de que uma significativa parcela da população vê seu sistema político e econômico como fracassado e está procurando uma alternativa", afirmou.
O mesmo pode ser dito no caso paquistanês. A coalizão de grupos islâmicos Muttahida Majlis-I-Amal (MMA) conquistou cerca de um terço das cadeiras do Parlamento.
O MMA é abertamente contrário à presença de soldados americanos no país e à aliança entre o ditador Pervez Musharraf e os EUA.
Contudo sua expressiva votação representa o repúdio popular às outras alternativas de poder, manchadas pela corrupção, caso dos partidos dos ex-governantes Nawaz Sharif e Benazir Bhuto, e pelo autoritarismo, caso de Musharraf.
"A combinação de governo militar consolidado com a falta de alternativas adequadas criou espaço para que os partidos religiosos obtivessem um mandato muito maior que aqueles conquistados em toda a história eleitoral do Paquistão", escreveu Shahnaz Rouse, professora de sociologia do Sarah Lawrence College (EUA).
A desilusão com as condições de vida e com as características repressivas de seus governos faz dos movimentos islâmicos a principal via alternativa a ser adotada pela população dos países do Oriente Médio.
Organizações como a Irmandade Muçulmana, no Egito e na Jordânia, o Hizbollah, no Líbano, e o Hamas, nos territórios palestinos, conquistam a simpatia dos setores mais desamparados pela burocracia estatal com programas de assistência social (creches, hospitais, alimentação etc.).
Os principais partidos religiosos -como é o caso do AKP na Turquia- exploram cada vez mais a temática da corrupção em busca de apoio. Mostram-se "virtuosos", seguindo uma ética determinada pela religião, em contraposição aos seus adversários envolvidos em escândalos.
Eles denunciam as elites que governam os seus países por suas relações com o empresariado nacional e estrangeiro. E destacam casos de enriquecimento ilícito -um dos principais motivos, por exemplo, de insatisfação na Cisjordânia e na faixa de Gaza com o líder palestino Iasser Arafat.


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