São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRISE

Para ex-mentor de Chávez e da "revolução bolivariana", governo estimula golpistas ao recusar realização de referendo

Para ex-chavista, só eleição salva Venezuela

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

A única saída para a crise política venezuelana é a realização de eleições, e, ao negar essa possibilidade, o governo comete um suicídio, abrindo caminho a pressões golpistas. Quem afirma é o ex-ministro do Interior Luis Miquilena, 84, considerado o mentor político do presidente Hugo Chávez e de sua "revolução bolivariana" e que rompeu com ele em janeiro, tornando-se um dos principais chavistas a debandar para a oposição.
"Um regime democrático deve seguir um caminho democrático, que é a via eleitoral", disse ele em entrevista à Folha por telefone, de Caracas, na noite de quinta-feira.
Miquilena, que, como presidente da Assembléia Constituinte em 1999, ajudou a redigir a nova Carta do país, contesta o argumento de Chávez contra a realização de um referendo sobre seu mandato -de que seria inconstitucional.
"Quando alguém não quer buscar saídas, começa a procurar chicanas que servem para justificar qualquer coisa", diz. Segundo ele, as consultas populares são previstas pela Constituição e já foram feitas em outras ocasiões, quando interessavam ao governo.

Folha - O diálogo entre o governo e a oposição pode dar resultados?
Luis Miquilena -
Infelizmente não se vê um espírito verdadeiramente flexível por parte do governo, que é quem tem de ceder. O governo é o maior interessado em que o problema seja resolvido.

Folha - Qual seria a solução para a crise? Eleições?
Miquilena -
Não há outro caminho. Um regime democrático deve seguir um caminho democrático, que é a via eleitoral. Uma possibilidade é seguir a proposta da oposição, de fazer uma consulta, sem caráter vinculante, mas que daria uma idéia da posição popular em relação ao governo. Daria consciência ao governo de que tem de mudar. Outra possibilidade é adiantar as eleições, uma das vias exploradas pela mesa de diálogo. Acho que há alguma possibilidade de que o governo ceda nisso, mas para isso é preciso uma reforma na Constituição.

Folha - Chávez diz que a Constituição não permite eleições antecipadas nem um referendo sobre seu mandato antes de agosto. O sr., que presidiu a Assembléia Constituinte, defende a realização do referendo. Quem tem razão?
Miquilena -
O que existe é um problema político, não jurídico. Quando alguém não quer buscar saídas, começa a procurar chicanas que servem para justificar qualquer coisa. Em matéria de interpretação das leis, cada um toma o caminho que lhe parece mais fácil e cômodo para condicionar uma disposição legal a seus interesses. A Constituição é muito clara. Tem caminhos muito expressos, em relação a referendos consultivos. Isso já foi aplicado para consultar o povo sobre outras questões, como a relegitimação dos dirigentes sindicais.

Folha - É possível Chávez mudar para se manter no poder?
Miquilena -
Acho que as coisas chegaram a um ponto irreversível em relação a sua presença no governo. Ele é o centro da disputa. Não há outra saída para ele a não ser sua relegitimação eleitoral.

Folha - As pesquisas mostram que, apesar do rechaço a Chávez ser majoritário, as divisões na oposição poderiam dar ao presidente uma vitória eleitoral...
Miquilena -
Se muitos opositores não tomarem consciência de que, para resolver o problema, será preciso renunciar a muitos de seus apetites a protagonismos, merecem ter qualquer tipo de governo. Mas estou seguro de que as condições estão colocadas de tal forma que as pessoas já tomaram consciência do problema e trabalharão para apresentar um só candidato para enfrentar Chávez.

Folha - A oposição não poderia esperar até agosto para um referendo, como quer Chávez?
Miquilena -
As coisas estão muito complicadas, com o enfrentamento aumentando a cada dia. Não sei até quando poderia resistir um processo como o atual.

Folha - Pode haver outro golpe?
Miquilena -
Tudo é possível nas atuais condições. Nós democratas nos opomos completamente a uma saída de força. A saída democrática é a que está sendo pedida. E por isso é um suicídio para o governo fechar todas as possibilidades de uma saída democrática que se colocam sobre a mesa.


Texto Anterior: Geopolítica decide convite a novos membros
Próximo Texto: Para conselho eleitoral, referendo seria legal
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.