São Paulo, terça-feira, 17 de novembro de 2009

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EUA culpam os dois lados por fracasso de acordo hondurenho

Carta pública enviada por Zelaya a Obama em que democrata é acusado de mudar de posição sobre reação a golpe causa irritação

Para americanos, golpista errou ao tentar criar governo de unidade antes de decisão sobre volta de deposto, que erra ao tentar esvaziar pacto


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Apesar de continuar apoiando uma solução negociada para a crise hondurenha, que seja baseada no acordo Tegucigalpa-San José e passe pelas eleições presidenciais do dia 29, os EUA acham que ambos os lados do conflito procuram inviabilizar a implantação do texto, assinado no mês passado por representantes do líder golpista, Roberto Micheletti, e do presidente deposto, Manuel Zelaya, sob o patrocínio do então secretário-assistente de Estado americano, Thomas Shannon.
Na avaliação de Washington, Micheletti joga com o tempo para que o pleito aconteça e a comunidade internacional tenha de lidar com o fato consumado; já Zelaya percebeu não ter força política suficiente para garantir que o Congresso hondurenho vote por seu retorno ao poder, e por isso procura invalidar o acordo que assinou. Causou particular irritação nos americanos a carta enviada no fim de semana pelo líder deposto ao presidente Barack Obama.
Na correspondência, lida em voz alta pelo hondurenho anteontem na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde ele se encontra como "hóspede" do governo brasileiro, Zelaya diz que renuncia a qualquer acordo, acusa os EUA de mudarem sua posição inicial em relação ao golpe e pede que o democrata reafirme publicamente o compromisso com sua restituição. A acusação de mudança de posição tem origem em entrevista dada à CNN por Shannon, em que ele diz que cabe ao Congresso hondurenho decidir a volta ou não de Zelaya.
Depois de falar que não discutiria correspondências diplomáticas em público, um funcionário graduado da Casa Branca disse à Folha que os EUA continuam comprometidos em ajudar Honduras a restabelecer a ordem democrática e constitucional interrompida pelo golpe. Mas ressaltou que é importante que todas as partes evitem ações e declarações que só servem para perpetuar a crise, e não para ajudar a chegar a uma resolução pacífica. Ele exortou ambos os lados a voltarem à mesa de negociações e cumprirem os compromissos que fizeram no acordo Tegucigalpa-San José.
Tom semelhante foi adotado pelo Departamento de Estado, para o qual há uma "clara responsabilidade" de ambos os lados, não só do regime golpista, pela não evolução do acordo. Na avaliação dos americanos, Micheletti errou ao tentar estabelecer o governo de unidade antes de o Congresso se pronunciar sobre o retorno de Zelaya, como pede um dos pontos do trato, mas o líder deposto errou igualmente ao tentar esvaziar o acordo antes que o Legislativo pudesse decidir.
Zelaya também foi indiretamente criticado no encontro diário do porta-voz do Departamento de Estado com os jornalistas, ontem, em Washington. Indagado sobre outra carta enviada pelo hondurenho, dessa vez para a secretária Hillary Clinton, há duas semanas, Ian Kelly confirmou que a correspondência continua sem resposta formal, mas disse que isso não significava que Zelaya estava sendo ignorado. "Altos funcionários [do governo americano] falam com ele" frequentemente, disse Kelly.
De qualquer maneira, a insistência em manter vivo o acordo começa a isolar o governo americano também internamente. Na semana passada, um assessor do democrata John Kerry, presidente da poderosa Comissão de Relações Exteriores do Senado, disse que houve, sim, uma "mudança abrupta" na posição dos EUA, que "causou o colapso do acordo que o próprio país ajudou a negociar".


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