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Sob transição lenta, cubanos debatem se ficam ou saem
Nos últimos 5 anos, 100 mil se mudaram legalmente para os Estados Unidos
Consenso é de que Fidel não voltará ao poder; com Raúl no comando, maioria espera maior abertura econômica, mas endurecimento político
RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A HAVANA
Há 50 dias sem uma só imagem de Fidel Castro, Havana
virou uma fábrica de novos
boatos a cada dia. Alguns dizem
que o ditador se nega a fazer
quimioterapia e que tem câncer de cólon, outros que lhe restam semanas de vida. O consenso é de que Fidel não voltará
mais ao poder e talvez já esteja
inconsciente.
Com o blecaute informativo
sobre a saúde do ditador e o
pouco entusiasmo que seu irmão e sucessor, Raúl Castro,
parece produzir no cidadão comum, o assunto que tem quase
monopolizado conversas em
Havana é o "irse o quedarse"
(partir ou ficar). Como todos os
sinais levam a crer que haverá
uma transição lenta, sem transformações radicais, os cubanos
comuns parecem ter muito
mais pressa que o regime.
"Todo mundo tem se perguntado ultimamente se não é hora
de partir, até para não ficar sozinho. O individualismo está
em alta, está cada um cuidando
de seu presente e futuro", disse
à Folha o escritor Pedro Juan
Gutiérrez.
Nos últimos cinco anos, 100
mil cubanos se mudaram oficialmente para os EUA - a cota
máxima concedida pelo governo americano é de 20 mil vistos
por ano. Mas, só em 2005,
2.732 "balseiros" foram interceptados pela polícia costeira
americana. México e Costa Rica também têm recebido balseiros nos últimos três anos.
O consulado espanhol em
Havana recebe 500 pedidos de
visto por semana. Só no ano
passado, houve 2.800 casamentos mistos, entre cubanos
e espanhóis. Em 1991, foram
apenas 20. Para muitos cubanos, o casamento é a possibilidade de escapar da ilha - sem
esperar o final da saga de Fidel.
Exportando saúde
O governo cubano levou mais
de 36 horas para felicitar seu
principal aliado, o presidente
da Venezuela, Hugo Chávez,
por sua reeleição, no início do
mês. A felicitação foi por escrito, não por telefone. Castro
tampouco apareceu nas adiadas comemorações do seu 80º
aniversário, apesar dos 1.800
convidados estrangeiros que
foram a Cuba.
Há discussões discretas sobre como será o país após Fidel,
no poder há 47 anos. Acredita-se que haverá uma transição
lenta, liderada pelo seu irmão
Raúl, 74, que já substitui Fidel
desde o final de julho, quando o
líder cubano sofreu uma cirurgia no intestino. Espera-se uma
pequena abertura econômica,
pois Raúl comanda boa parte
dos setores lucrativos da combalida economia local. Menos
carismático e sedutor que Fidel, Raúl pode recorrer a uma
ainda maior repressão política.
Outra dúvida que paira sobre
o ar é se Cuba perderá o patrocínio venezuelano após a morte
de Fidel. Para muitos, Chávez
ajuda Cuba por Fidel e não teria
igual compromisso com Raúl. A
Venezuela envia 98 mil barris
diários de petróleo a Cuba e é o
maior parceiro comercial do
país. Em troca, recebe a consultoria de 45 mil cubanos -30
mil médicos, além de professores, treinadores esportivos e assessores políticos.
A exportação de médicos e o
recebimento de milhares de pacientes venezuelanos nos hospitais da ilha fazem da saúde a
principal fonte de renda do
país, acima do turismo (US$ 2
bi), das remessas de imigrantes
(US$ 1,2 bi) ou da exportação
de níquel (US$ 1,1 bi).
Depois de virar um ícone da
Guerra Fria e desafiar os EUA,
Cuba poderia se tornar um país
irrelevante sem o carismático
dirigente. No clima de despedida já indisfarcável, a televisão
estatal exibe videoclipes com
imagens de arquivo de Fidel e
grupos de escolares uniformizados cantando versos ao líder.
"Sua vida é paradigma de obra
bem cumprida. Deixe-nos cantar, comandante", diz a canção
que as criancinhas recitam.
Transição com Raúl
Raúl foi um dos artífices da
pequena abertura econômica
do chamado "período especial"
nos anos 90, quando, com a
derrocada da União Soviética, o
país perdeu US$ 4 bilhões de
ajuda anual e o parceiro de 85%
de seu comércio. Seu pronunciamento no desfile militar em
2 de dezembro foi considerado
um discurso de posse. Nele, ele
indica ser favorável a um diálogo com os Estados Unidos, que
mantêm um embargo comercial a Cuba há 45 anos.
Mesmo com a ajuda venezuelana e os investimentos recentes de Canadá e China no
país, Cuba não superou completamente o período especial.
A maioria das ruas de Havana
permanece às escuras pela noite. Iluminação é privilégio de
avenidas ou ruas nas áreas mais
turísticas. Com pouco transporte público, dezenas de pessoas pedem carona ou lotam os
pontos de ônibus. Até para padrões brasileiros, os passageiros dos velhos ônibus adaptados com cabine de caminhão
viajam espremidos.
E pessoas assediam os turistas nas proximidades dos hotéis de luxo, pedindo roupas,
jeans, perfumes, em troca de
camisetas do Che Guevara. O
salário médio em Cuba é de 15 a
20 dólares mensais. A cartilha
mensal de abastecimento só
dura 15 dias na mão do trabalhador.
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