São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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Sob transição lenta, cubanos debatem se ficam ou saem

Nos últimos 5 anos, 100 mil se mudaram legalmente para os Estados Unidos

Consenso é de que Fidel não voltará ao poder; com Raúl no comando, maioria espera maior abertura econômica, mas endurecimento político


RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A HAVANA

Há 50 dias sem uma só imagem de Fidel Castro, Havana virou uma fábrica de novos boatos a cada dia. Alguns dizem que o ditador se nega a fazer quimioterapia e que tem câncer de cólon, outros que lhe restam semanas de vida. O consenso é de que Fidel não voltará mais ao poder e talvez já esteja inconsciente.
Com o blecaute informativo sobre a saúde do ditador e o pouco entusiasmo que seu irmão e sucessor, Raúl Castro, parece produzir no cidadão comum, o assunto que tem quase monopolizado conversas em Havana é o "irse o quedarse" (partir ou ficar). Como todos os sinais levam a crer que haverá uma transição lenta, sem transformações radicais, os cubanos comuns parecem ter muito mais pressa que o regime.
"Todo mundo tem se perguntado ultimamente se não é hora de partir, até para não ficar sozinho. O individualismo está em alta, está cada um cuidando de seu presente e futuro", disse à Folha o escritor Pedro Juan Gutiérrez.
Nos últimos cinco anos, 100 mil cubanos se mudaram oficialmente para os EUA - a cota máxima concedida pelo governo americano é de 20 mil vistos por ano. Mas, só em 2005, 2.732 "balseiros" foram interceptados pela polícia costeira americana. México e Costa Rica também têm recebido balseiros nos últimos três anos.
O consulado espanhol em Havana recebe 500 pedidos de visto por semana. Só no ano passado, houve 2.800 casamentos mistos, entre cubanos e espanhóis. Em 1991, foram apenas 20. Para muitos cubanos, o casamento é a possibilidade de escapar da ilha - sem esperar o final da saga de Fidel.

Exportando saúde
O governo cubano levou mais de 36 horas para felicitar seu principal aliado, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, por sua reeleição, no início do mês. A felicitação foi por escrito, não por telefone. Castro tampouco apareceu nas adiadas comemorações do seu 80º aniversário, apesar dos 1.800 convidados estrangeiros que foram a Cuba.
Há discussões discretas sobre como será o país após Fidel, no poder há 47 anos. Acredita-se que haverá uma transição lenta, liderada pelo seu irmão Raúl, 74, que já substitui Fidel desde o final de julho, quando o líder cubano sofreu uma cirurgia no intestino. Espera-se uma pequena abertura econômica, pois Raúl comanda boa parte dos setores lucrativos da combalida economia local. Menos carismático e sedutor que Fidel, Raúl pode recorrer a uma ainda maior repressão política.
Outra dúvida que paira sobre o ar é se Cuba perderá o patrocínio venezuelano após a morte de Fidel. Para muitos, Chávez ajuda Cuba por Fidel e não teria igual compromisso com Raúl. A Venezuela envia 98 mil barris diários de petróleo a Cuba e é o maior parceiro comercial do país. Em troca, recebe a consultoria de 45 mil cubanos -30 mil médicos, além de professores, treinadores esportivos e assessores políticos.
A exportação de médicos e o recebimento de milhares de pacientes venezuelanos nos hospitais da ilha fazem da saúde a principal fonte de renda do país, acima do turismo (US$ 2 bi), das remessas de imigrantes (US$ 1,2 bi) ou da exportação de níquel (US$ 1,1 bi).
Depois de virar um ícone da Guerra Fria e desafiar os EUA, Cuba poderia se tornar um país irrelevante sem o carismático dirigente. No clima de despedida já indisfarcável, a televisão estatal exibe videoclipes com imagens de arquivo de Fidel e grupos de escolares uniformizados cantando versos ao líder. "Sua vida é paradigma de obra bem cumprida. Deixe-nos cantar, comandante", diz a canção que as criancinhas recitam.

Transição com Raúl
Raúl foi um dos artífices da pequena abertura econômica do chamado "período especial" nos anos 90, quando, com a derrocada da União Soviética, o país perdeu US$ 4 bilhões de ajuda anual e o parceiro de 85% de seu comércio. Seu pronunciamento no desfile militar em 2 de dezembro foi considerado um discurso de posse. Nele, ele indica ser favorável a um diálogo com os Estados Unidos, que mantêm um embargo comercial a Cuba há 45 anos.
Mesmo com a ajuda venezuelana e os investimentos recentes de Canadá e China no país, Cuba não superou completamente o período especial. A maioria das ruas de Havana permanece às escuras pela noite. Iluminação é privilégio de avenidas ou ruas nas áreas mais turísticas. Com pouco transporte público, dezenas de pessoas pedem carona ou lotam os pontos de ônibus. Até para padrões brasileiros, os passageiros dos velhos ônibus adaptados com cabine de caminhão viajam espremidos.
E pessoas assediam os turistas nas proximidades dos hotéis de luxo, pedindo roupas, jeans, perfumes, em troca de camisetas do Che Guevara. O salário médio em Cuba é de 15 a 20 dólares mensais. A cartilha mensal de abastecimento só dura 15 dias na mão do trabalhador.


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