São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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Revoltado com perdas na crise, argentino diz não ter mais país

DE BUENOS AIRES

Dezembro de 2001 tirou de Horácio Vázquez, 50, todo o orgulho que tinha de seu país. Três foram os bofetões que ele levou da crise de cinco anos atrás: teve seus depósitos bancários em dólar congelados e pesificados; perdeu seus investimentos em títulos da dívida argentina com a declaração do "default"; e, como se não bastasse, foi demitido do emprego de engenheiro na corporação japonesa em que trabalhava, em Buenos Aires.
"É preciso ser Rambo para sobreviver nessa sociedade", afirma. "Vai além do dinheiro, é uma questão de princípios. Como é possível sobreviver em um lugar em que não sei se o que é meu é mesmo meu? Desconfio de tudo. Nasci aqui, mas sou um estrangeiro. Não consigo me orgulhar de nada. Não tenho país", diz ele.
Parece grande sua sede por contar como se sentiu "idiota" ao poupar em dólares justamente para não ter surpresas desagradáveis e, ainda assim, perder tudo o que tinha. Ou então como se sentiu "traído" ao investir em títulos de seu país e receber em troca a moratória.
O emprego ele perdeu em 18 de janeiro de 2002. Falando inglês e francês, com experiência em multinacionais, já tinha então 45 anos e nunca mais conseguiu trabalhar em sua área.
Primeiro, foi para as ruas fazer panelaço. Depois, tornou-se secretário-geral da ADAPD (Associação dos Prejudicados pela Pesificação e pelo Default) e fez dessa briga sua rotina.
Até hoje Vázquez espera uma decisão da Justiça -agora da Corte Suprema- para pôr fim à etapa que, inevitavelmente revivida todos os dias, só cultiva raiva e decepção.
"Não pude comprar o apartamento que queria, que hoje custa 25% mais. Não pude fazer a viagem que tinha de fazer. Morreu meu irmão porque eu não tinha dinheiro para a operação. Quero cobrar os danos e prejuízos ao banco e ao Estado por não ter ficado com meu dinheiro", conta. "Também deixei de fazer minha pós-graduação no exterior."
A associação, além de reivindicar os direitos de depositantes e titulares de bônus lesados, ensina seus membros a como economizar na Argentina hoje. "Ensinamos a manter o dinheiro fora dos bancos", revela.

Mortes
Entre os lesados pelo "corralito" (congelamento de depósitos) e pelo "corralón" (a pesificação) é normal encontrar quem relate histórias de amigos e conhecidos que morreram depois do susto e da desilusão de ter as economias bloqueadas. Em outubro do ano passado, um estudo feito pela fundação Favaloro e pela Universidade de Massachusetts (EUA) revelou que, no período da crise (de abril de 1999 a dezembro de 2002), 20 mil pessoas a mais morreram de doenças cardíacas na Argentina em comparação com o período pós-crise (de janeiro de 2003 a setembro de 2004). (BRUNO LIMA)


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