São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2005

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Eventual ataque ao Irã depende da saída do Iraque

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Enquanto não encontrarem uma estratégia de saída do Iraque, os EUA não deverão lançar um ataque preventivo para tentar neutralizar as capacidades nucleares do Irã, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha.
Além disso, de acordo com as mesmas fontes, a tarefa seria bem mais complexa do que a invasão do Iraque, devendo provocar conseqüências deletérias para os interesses americanos no Oriente Médio e para Israel, o principal aliado dos EUA na região.
"Certamente, não descartaria a hipótese de o governo de George W. Bush realizar outro ataque preventivo, mas ficaria surpreso se isso ocorresse no futuro próximo porque os EUA estão numa situação difícil no Iraque", avaliou Anthony Lake, assessor da Casa Branca para Assuntos de Segurança Nacional de 1993 a 1997, durante o primeiro mandato do democrata Bill Clinton (1993-2001).
"Ademais, as forças militares americanas foram muito exigidas nos últimos tempos e não estariam em condições de realizar outra missão do gênero. Vale salientar ainda que os candidatos a se tornarem alvos dos EUA, sobretudo o Irã e a Coréia do Norte, exigiriam um esforço militar muito maior que a invasão do Iraque."
Além da dificuldade operacional, pois os EUA já têm cerca de 150 mil soldados no Iraque, a iniciativa teria várias conseqüências indesejáveis para os americanos.
Diferentemente do que ocorreu em 1981, quando caças israelenses destruíram um reator nuclear iraquiano na usina de Osirak, o ataque ao Irã não poderia ser realizado pela Força Aérea israelense por causa da distância dos alvos.
"O Irã é bem mais longe de Israel que o Iraque, e suas instalações nucleares são muito distantes umas das outras, o que deixaria os caças israelenses em posição vulnerável. Além disso, é bem pouco provável que os governos turco ou saudita permitam que as aeronaves israelenses usem seu espaço aéreo para atacar o Irã, que também é muçulmano", analisou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (EUA).
O ataque provocará uma forte reação iraniana. Teerã, que buscará inflamar a insurgência iraquiana, argumentará que precisa de armas nucleares para defender-se de ataques externos, o que significará que o Irã deixará o Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Isso alterará sensivelmente o equilíbrio geoestratégico regional.

Reformistas
Ademais, o establishment político-religioso iraniano utilizará a situação para restringir mais o campo de ação dos reformistas. Afinal, as instalações nucleares são um símbolo do orgulho iraniano e dariam uma justificativa suficientemente forte para que os mulás atacassem aqueles que são vistos pela linha dura como agentes das potências estrangeiras.
No campo diplomático, um ataque ao Irã também seria prejudicial aos EUA, pois, depois disso, dificilmente Washington vá conseguir a anuência dos outros membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU à aplicação de sanções a Teerã.
E essa ação militar porá os EUA em rota de colisão com a Rússia, já que Moscou colabora com os iranianos na usina de Bushehr e tem diversos cientistas em instalações nucleares iranianas.
O Irã também reagirá militarmente. Com isso, tornam-se possíveis alvos da retaliação iraniana bases americanas no Kuait, em Qatar, em Omã e no Iraque, além de algumas cidades israelenses.
Como ressaltou Lake, "o Irã é importante porque, em alguns meses, os iranianos começarão a enriquecer urânio, e "não adiantará fechar a porta do cercado depois que os cavalos fugirem'".
"Os EUA não devem descartar a possibilidade de negociar com o Irã. Trata-se de uma solução menos custosa geopoliticamente", disse Lake.
Resta saber se o governo Bush pensa da mesma forma que o ex-assessor de Clinton. Isso sem mencionar o que o ataque americano ao Irã faria com a cotação do petróleo.


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