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São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2003

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TERRA DIVIDIDA

Em Kirkuk, grupos de etnias distintas disputam propriedades após a queda do regime

Curdos expulsam árabes no norte

DA REDAÇÃO

Após a queda do regime de Saddam Hussein, iraquianos de origem curda começaram a expulsar iraquianos árabes que vivem no norte do Iraque, ampliando a tensão principalmente em Kirkuk.
Os curdos afirmam estar exercendo seus direitos. Durante seu governo, Saddam, de origem árabe, iniciou nos anos 80 um processo de "arabização" em cidades dessa região que produzem petróleo. Em Kirkuk, cerca de 400 mil curdos perderam suas propriedades, transferidas para árabes de outras partes do país.
Agora, os ocupantes curdos da cidade tentam retomar essas propriedades e enfrentam resistência da população árabe.
"Nenhum curdo foi expulso dessa vizinhança", afirmou Sayed Musawi, morador e líder árabe no bairro de Qadasia, um dos cenários de conflito. "Isto aqui era terra de ninguém", completou Sayed, um dos muitos funcionários públicos que receberam incentivos do governo para mudar para a região na década de 1980.
"Viramos sem-teto", queixou-se Wader Muhammad, cuja família foi expulsa de uma casa com quatro quartos. Como todos os árabes na região, ele diz que nunca foi informado de que as terras pertenciam a outras pessoas.
Sua casa foi ocupada por Rushed Rah, um comerciante que planeja morar no local com sua mulher e seus sete filhos. "Essa terra nos pertence. Anos atrás, três dos meus irmãos foram mortos pelo governo de Saddam, que tirou tudo o que tínhamos e nos expulsou", contou o comerciante.
Os principais líderes curdos, entretanto, defendem a participação dos EUA e de países árabes no processo de devolução das propriedades, para que haja legitimação no cenário internacional.
"Sempre afirmamos que o direito de retorno das vítimas de "limpeza étnica" é sagrado", declarou Barham Salih, primeiro-ministro da região autônoma do Curdistão, área criada após a Guerra do Golfo (1991) que se estende pelo nordeste do território iraquiano.
Os líderes curdos querem transformar essa região autônoma em um Estado independente e reivindicam Kirkuk como capital desse novo país.
Na cidade em disputa, os árabes dizem ter ficado vulneráveis com a rápida tomada pelos curdos do prédio da prefeitura e do departamento de polícia. Argumentam também que os curdos não possuem documentos que comprovem que são de fato donos das propriedades reclamadas. Já os curdos afirmam que todos os seus papéis foram destruídos quando ocorreu a expulsão.

Covas
Ainda ontem, os líderes curdos em Kirkuk anunciaram a descoberta de cerca de 1.600 covas não identificadas na cidade, escondidas nas imediações de uma antiga fábrica da Pepsi-Cola e de um palácio de um primo de Saddam.
Durante a retirada das ossadas do local, terreno próximo a uma estrada abandonada nos arredores de Kirkuk, os líderes curdos especulavam que muitos mortos no processo de "arabização" estariam enterrados ali.
"O regime iraquiano matou nossas famílias e enterrou-as dessa forma", declarou o capitão Kowa Hawez, policial curdo que supervisionou a operação.
Outras testemunhas diziam, no entanto, que aqueles eram civis mortos durante uma revolta em 1991. Para conter o levante, Bagdá teria ordenado a execução de civis, escolhidos de forma aleatória.
Dois oficiais do Exército dos EUA que acompanharam a busca disseram que aguardam orientações sobre o que fazer com as ossadas. "Não sabemos o que é isto", afirmou o capitão David Downing, acrescentando que ainda não está claro quem ficará responsável pela identificação dos mortos, se curdos ou americanos.

Outras cidades
Ainda ontem, também no norte do Iraque, fuzileiros navais dos EUA interferiram em um confronto entre dois clãs rivais em Tikrit, cidade natal de Saddam. O enfrentamento, que deixou três iraquianos feridos, ocorreu pelo controle de um depósito de comida abandonado pelo antigo regime iraquiano.
Não houve relatos de novos conflitos ontem em Mossul, onde 17 pessoas morreram em choques na terça e na quarta-feira.


Com agências internacionais


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