UOL


São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fraudes abalam editor-executivo "rápido no gatilho"

DA REDAÇÃO

A revelação de fraudes em reportagens do "New York Times" abalou a credibilidade do mais importante jornal do mundo e ampliou as dúvidas internas sobre os métodos do editor-executivo Howell Raines, que há 20 meses comanda a Redação.
Com humor britânico, o jornal "The Guardian" fez gracejos com o dístico "All the news that's fit to print", que aparece desde 1897 na primeira página do sesquicentenário jornal norte-americano. "Todas as notícias que merecem ser impressas -ou pelo menos assim pensávamos", ironizou o periódico londrino.
Na quarta-feira passada, Raines reconheceu que o jornal teve sua credibilidade atingida pela revelação das fraudes e assumiu sua parcela da culpa.
Admitiu que é visto como "arrogante e pouco acessível" aos jornalistas e propôs melhorar os "canais de comunicação" com sua equipe.
"O "NYT" não precisa melhorar seus canais de comunicação. Precisa melhorar seu juízo das coisas", censurou o site ChronWatch.com, que se propõe a ser um fiscal da mídia.

"Marciano"
Com um histórico de conflitos recentes com subordinados e de críticas por ter estimulado a carreira de um repórter que não tinha a confiança dos editores do próprio jornal, Raines recebeu o apoio do diretor-presidente e publisher do "Times", Arthur Ochs Sulzberger Jr., 51, para manter-se no cargo.
Raines, 60, está há 25 anos no "Times". Assumiu o posto de editor-executivo em 5 de setembro de 2001, seis dias antes do atentado terrorista contra as torres do World Trade Center.
Entre janeiro de 1993 e agosto de 2001, foi editor de Opinião, cargo de extrema confiança e proximidade da família controladora do "NYT".
Então responsável pelos editoriais do jornal mais influente do mundo, Raines não era o nome preferido de seu antecessor, Joseph Lelyveld, na linha sucessória do comando da Redação.
Ao comunicar Sulzberger sobre sua intenção de se aposentar, Lelyveld sugeriu que seu cargo fosse dado a Bill Keller, secretário de Redação e número dois no comando do jornal.
O publisher optou por Raines. Justificou sua decisão a Lelyveld dizendo que não sentia proximidade com Keller, conforme reportagem da revista americana "The New Yorker".
No mesmo texto, um editor de assuntos metropolitanos chamou Raines de "marciano", por ter passado oito anos trabalhando distante do quarto andar, onde fica a Redação do "NYT". Normalmente, o responsável por escrever os editoriais mantém-se afastado das rotinas de produção e fechamento do jornal.

Contestação
O descontentamento da Redação com o editor-executivo ampliou-se quando ele anunciou qual seria a meta de sua gestão: "aumentar o metabolismo competitivo do jornal e atacar a complacência".


Com 152 anos, o "Times" acumula 110 Prêmios Pulitzer. Sete foram obtidos no ano passado, já durante a gestão de Raines, que registra também uma queda de 5% na circulação


Na prática, queria "avivar a primeira página com mais notícias exclusivas", aumentar o espaço da cultura pop e de reportagens sobre estilo de vida. Defendia ainda que sua equipe fosse "mais rápida no gatilho" na confecção de reportagens diferenciadas.
Essa proposta foi interpretada pela Redação como uma contestação ao estilo do editor-executivo anterior.
Lelyveld, um amante da chamada alta cultura, chegou a mobilizar, em 2000, 50 pessoas na produção de uma série de 15 reportagens sobre o racismo nos Estados Unidos. Venceu o Pulitzer, o mais importante prêmio do jornalismo norte-americano, concedido pela Columbia University.
No comando do jornal durante o escândalo sexual envolvendo o então presidente Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinski, Lelyveld manteve o "NYT" numa linha sóbria, na avaliação da Redação, apesar do frenesi da maior parte da imprensa.
Seu substituto, em época próxima, havia sido criticado por ter assumido nas páginas editoriais que o cientista nuclear sino-americano Wen Ho Lee espionou programas nucleares dos EUA para repassar informações à China. As acusações não foram provadas, e o cientista foi colocado em liberdade em setembro de 2000.
Em seus 152 anos, o "Times" já acumula 110 Prêmios Pulitzer. Sete deles foram obtidos no ano passado, já durante a gestão de Raines, que registra ainda uma queda de 5% na circulação nos últimos seis meses.
O editor-executivo do "Times" analisou a resistência de parte da Redação às suas propostas: "mudanças sempre tiram pessoas de sua zona de conforto", disse à revista "The New Yorker".

Mea culpa
Depois de trocar diversos postos de chefia na Redação e enfrentar uma série de pedidos de demissão de jornalistas experientes da casa, Raines convocou uma reunião em que fez uma espécie de mea culpa.
"A maior lição que tenho aprendido desde que me tornei editor-executivo é que há utilidade real em conversar com minha equipe. E é preciso ter tempo para responder suas questões", afirmou.
"Agradeço a vocês do fundo do meu coração pela paciência, pelo bom humor e pelo profissionalismo durante meu treinamento como editor-executivo. Acredito, e preciso dizer, que nosso metabolismo competitivo tem crescido", contemporizou.
Criado em Birmingham, no Alabama, Raines é descendente de fazendeiros que, no passado, nunca tiveram escravos, em uma região marcada historicamente por conflitos raciais.
Como Jayson Blair, o repórter que cometeu as fraudes no "Times, é negro, o próprio Raines fez especulações em torno do tema. "Eu pessoalmente favoreci Jayson? Não conscientemente. Mas tenho o direito de perguntar se eu, como um homem branco de Alabama, com as convicções de lá, dei a ele chances demais. No fundo do meu coração, acho que a resposta é sim", declarou Raines, cujo braço direito na Redação, Gerald Boyd, também é negro.


Texto Anterior: Mídia: "Fome pela notícia" põe em xeque o "NYT"
Próximo Texto: Oriente médio: Violência ofusca cúpula Sharon-Mazen
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.