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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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ARTIGO

Projeto de Bush enfrenta a realidade

Denis Doyle/Associated Press
Policiais observam destroços de um dos cinco alvos de ataques terroristas em Casablanca, Marrocos


ROULA KHALAF
GUY DINMORE
DO "FINANCIAL TIMES"

O projeto bateu de frente com a realidade nesta semana no Oriente Médio. A percepção do presidente George W. Bush de "um momento profundamente promissor" se chocou com o caos pós-guerra no Iraque, a intransigência no conflito árabe-israelense e ataques suicidas contra alvos ocidentais em Riad e Casablanca.
Em 9 de maio, Bush fez um discurso no qual apresentou diretrizes para a região - que chamou de grande meta americana- e lançou o secretário de Estado, Colin Powell, na primeira rodada diplomática importante no Oriente Médio em mais de um ano.
"É chegado um momento de oportunidade histórica", declarou. "Um ditador no Iraque foi afastado do poder. Os terroristas dessa região estão enxergando seu destino -a vida curta e infeliz de fugitivo. Os reformistas ganham terreno no Oriente Médio, e cresce o impulso por liberdade."
Belo idealismo -mas os acontecimentos dos dias seguintes terão deixado Bush consciente dos obstáculos que ainda restam pela frente. No Iraque, que os EUA vêem como vital para o êxito em outros países, Paul Bremer, um funcionário do Departamento de Estado, chegou para assumir o papel de Jay Garner, numa mudança que ressalta a lentidão da reconstrução até agora.
Colin Powell, iniciando seu giro pelo Oriente Médio, topou com a resistência árabe ao "roteiro para a paz", o plano para a criação do Estado palestino, e ouviu queixas de países árabes para os quais os EUA estão deixando de exercer pressão sobre Israel, seu aliado. E então, na véspera de sua chegada à Arábia Saudita, terroristas que se suspeita pertencerem à Al Qaeda lançaram seus ataques contra condomínios habitados majoritariamente por ocidentais em Riad.
Os EUA contam não apenas com a derrubada de Saddam Hussein para redesenhar o Oriente Médio, transformando-o numa região que deixe de ameaçar seus interesses. O país intensificou sua pressão sobre a Síria para que esta deixe de criar obstáculos ao trabalho dos EUA no Iraque e deixe de dar apoio a grupos militantes que se opõem a Israel. Os EUA assumiram o compromisso de promover seu "roteiro" para solucionar o conflito palestino-israelense. E, no discurso da semana passada, Bush enfatizou sua visão de um mundo árabe liberal com a promessa de uma área de livre comércio EUA-Oriente Médio.
Na semana anterior, os EUA anunciaram a retirada de suas tropas da Arábia Saudita. A iniciativa aponta para a redução da dependência desse país rico em petróleo, agora que os EUA controlam o Iraque, dono da segunda maior reserva do mundo.
Mas as iniciativas são lançadas num momento em que o clima em boa parte do mundo árabe continua a ser de desconfiança e ressentimento em relação aos EUA. A missão americana no Iraque ainda é largamente vista como uma tentativa neo-imperialista de controlar o petróleo, ao mesmo tempo enfraquecendo o mundo árabe e facilitando a imposição aos palestinos sem Estado de um acordo de inspiração israelense.
É verdade que, nos últimos meses, alguns governos árabes, incluindo os do Egito e da Arábia Saudita, assinalaram que as reformas internas serão aceleradas. Mas é possível que esses gestos representem pouco mais do que mudanças superficiais, visando desviar a pressão americana. Como partidos islâmicos formam a única oposição organizada, a nova ordem democrática visualizada pelos EUA frequentemente é menosprezada, vista como tentativa de impor lideranças que apóiam os objetivos e a política dos EUA, em lugar de realizar as aspirações populares.
O ex-professor e reformista saudita Abdallah al Hamed diz que os atentados devem ser vistos como aviso a Riad para que abra seu regime e permita um debate entre moderados e radicais. Mas até mesmo ele, acadêmico e politicamente ativo, crê que os EUA não estejam interessados em seu desejo por reformas constitucionais. Para ele, os EUA querem dividir o país. "Os EUA estão construindo um novo paraíso para alguns poucos e um inferno para todos os outros. Tanto os EUA quanto Israel querem fragmentar o reinado, e é justamente em razão desse perigo que vamos dizer às lideranças que pensem no futuro e tragam liberdade e justiça."
O conflito no Iraque incentivou alguns intelectuais a expressarem em voz alta o que muitos árabes pensam: que a região só tem a ela mesmo para culpar pela intervenção dos EUA. Um tema recorrente na mídia antes e depois da guerra era que o fato de os governos árabes não terem enfrentado seus problemas regionais de maneira pacífica nem tratado seus cidadãos com respeito teria levado os EUA a invadirem o Iraque.
Os EUA podem insistir que querem promover reformas democráticas como parte de sua campanha antiterror, mas o argumento não tem muita credibilidade no mundo árabe, onde o esforço antiterror é visto como maneira de eliminar ameaças a Israel e como um ataque aos valores islâmicos.
Analistas árabes observam, por exemplo, que, ao exercer pressão sobre a Síria, o governo Bush pôs a ênfase no fato de Damasco apoiar grupos anti-Israel, mas disse pouco sobre democratização ou reformas econômicas.
Fica claro que um teste imediato para a boa vontade americana é a reconstrução do Iraque. Até agora, as imagens de desordem em Bagdá e outras cidades iraquianas, além do papel de destaque concedido a ex-exilados na formação do governo pós-guerra, suscitam inquietação.
Patrick Clawson, do Instituto Washington de Política do Oriente Médio, diz que a Casa Branca ainda está dominada pelo otimismo e a determinação em seguir adiante. "Esta administração vê o copo metade cheio. A atitude é "vamos ter de redobrar os esforços"", diz ele, observando que o vice-presidente, Dick Cheney, e o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, pareciam "otimistas" após os atentados em Riad.
Mas autoridades árabes dizem que a presença americana prolongada no Iraque e o tempo que será preciso para estabilizar o país tornam ainda mais importante que sejam feitos avanços no "roteiro" para pôr fim à ocupação israelense dos territórios palestinos.
"A questão no Iraque é a estabilização de um país. A questão palestina diz respeito ao problema mais importante da região", diz uma autoridade do golfo Pérsico. "Se houver avanços nessa área, todo o resto será mais possível."
Mas, com o premiê israelense, Ariel Sharon, prestes a fazer uma visita a Washington, grupos de lobby israelense nos EUA dizem que o plano vai fracassar. O Instituto Judaico de Questões de Segurança Nacional diz que a violência contínua contra Israel justifica a desconfiança em relação ao novo premiê palestino, Abu Mazen.
Em última análise, o compromisso do governo Bush com uma visão ampla para o Oriente Médio pode depender principalmente de considerações internas. Ao associar o conflito no Iraque à guerra contra o terrorismo, o presidente manteve seu apoio público amplo. Mas os estrategistas da Casa Branca, já pensando na eleição de 2004, reconhecem o perigo de os americanos começarem a rejeitar o constante estado de segurança aumentada. Bush pode montar sua campanha de reeleição em torno de seu histórico de líder bem-sucedido na guerra, mas o compromisso que assumiu de remodelar o Oriente Médio pode entrar em choque com as realidades nacional e regionais: mais da metade dos americanos acha que a economia seja um problema maior do que o terrorismo.


Tradução de Clara Allain


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