São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2004

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SAÚDE

Mudança de política poderá permitir o uso futuro de remédios em programas de assistência internacional à luta contra a doença

EUA incentivarão genéricos contra Aids

RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK

Numa mudança na sua política de combate à Aids, os EUA anunciaram anteontem que sua agência de regulação de medicamentos e alimentos acelerará a análise de remédios genéricos e combinações de diferentes medicamentos (numa pílula) para uso futuro em seus programas de assistência internacional ao combate à Aids.
O sistema, cujas diretivas serão divulgadas nesta semana, também dará incentivos a grupos interessados em desenvolver medicamentos mais baratos, segundo nota oficial do governo.
A defesa das patentes das empresas farmacêuticas direcionava a política americana em relação a esses medicamentos, levando o governo de George W. Bush a pôr obstáculos ao uso de genéricos e combinações de medicamentos num só comprimido -o que já era feito pela Índia.
As novas regras não têm valor para o mercado interno americano, e os medicamentos aprovados por elas serão usados num programa do governo dos EUA, orçado em US$ 15 bilhões, que tem como objetivo manifesto combater a Aids em países pobres. Mas o anúncio foi duramente criticado por grupos de defesa dos direitos de soropositivos e de combate à Aids em todo o mundo.
Segundo essas entidades, ao atribuir autoridade a uma agência interna sobre quais remédios serão ou não usados em seus programas, os EUA agem unilateralmente, menosprezando a Organização Mundial da Saúde, que já tem padrões aceitos internacionalmente para avaliar a validade e eficácia de remédios genéricos.
Segundo as novas regras, fabricantes internacionais também poderão apresentar seus produtos para avaliação pela agência regulatória. Se aprovados, poderão ser comprados e usados em programas internacionais de combate à Aids pelos EUA.
Para Paul Davis, diretor de uma ONG, o "dinheiro de Bush", associado à exigência de exclusividade de produtos aprovados pelo FDA (agência reguladora), ameaça minar o uso de remédios sem a aprovação americana em programas já existentes, que recebem dinheiro de organizações internacionais e fazem uso de genéricos já aprovados pela OMS e produzidos em países como a Índia e o Brasil.
Se os países que se beneficiam desses programas se associarem aos americanos para receber a ajuda deles, explica Davis, serão obrigados a abrir mão de medicamentos não aprovados pelo FDA.
Segundo o "New York Times", grandes empresas farmacêuticas americanas anunciaram que pretendem se unir para fabricar as doses únicas que combinam diferentes medicamentos para o combate à Aids. O jornal afirma que as empresas foram avisadas de antemão das novas regras, "e rapidamente divulgaram respostas positivas" ao anúncio.
Paul Zeitz, diretor-executivo da organização Global Aids Alliance, afirma que nada garante que fabricantes não-americanos de genéricos venham a desejar "passar pelo FDA". "Primeiro, já foram aprovados pela OMS. Para que passar por novos testes? Depois, há custos financeiros. Finalmente, há riscos. Muitas pessoas ficam preocupadas com a politização da análise e não sabem se serão avaliados de maneira isenta."
Para Richard Jeffreys, diretor de ciência básica do grupo TAG (Treatment Action Group, algo como grupo de ação pelo tratamento), o anúncio é "uma mentira e uma fraude". Isso porque os fabricantes teriam que passar por novos testes, em vez de continuar a comercializar seus produtos com aprovação pela OMS.
No entanto, segundo o "Times", o diretor do programa de Aids da ONU, Peter Piot, saudou a decisão dos EUA. "Isso vai ajudar os programas de tratamento da Aids no mundo." Sob o ponto de vista da saúde pública, disse Piot, doses únicas devem facilitar o acesso de pacientes em áreas remotas ao tratamento contra a Aids.


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