São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2004

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RELIGIÃO

João Paulo 2º relata experiências desde que se tornou bispo, permeadas por opiniões; edição no Brasil sofrerá atraso

Papa é confessional em autobiografia que sai hoje

PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA

A nova autobiografia do papa João Paulo 2º, com lançamento simultâneo em diversos países hoje, por ocasião de seu 84º aniversário, reúne relatos de experiências pessoais acompanhados de poemas e recomendações a autoridades religiosas sobre questões diversas como celebrações, visitas pastorais e o papel dos leigos.
Depois de "Dom e Mistério", que continha reflexões sobre o início do sacerdócio de Karol Wojtyla (seu nome de batismo), "Levantai-vos! Vamos!" se concentra no ministério episcopal e retraça memórias do papa a partir de 1958, ano em que foi nomeado bispo de Cracóvia, na Polônia.
"Para um bispo é muito importante relacionar-se com as pessoas e adquirir a capacidade de entrar em contato com elas de maneira adequada. Cada pessoa é um capítulo à parte. (...) Esse estilo não se pode aprender. É algo que simplesmente é, porque vem de dentro."
Sobre a função do bispo, diz que ele "deve ser pai [espiritual]". "É claro que nenhum homem expressa completamente a paternidade, já que esta se realiza plenamente apenas em Deus Pai".
João Paulo 2º escreveu a autobiografia durante as férias entre março e agosto de 2003. Em tom descontraído e confessional (que a tradução preservou), fala do gosto pela leitura e pela arte dramática. "Se não houvesse estourado a guerra, e a situação não tivesse mudado tão radicalmente, talvez as perspectivas que os estudos acadêmicos de letras abriam diante de mim teriam me absorvido completamente", afirma.
O apreço pelo canto também aparece nas recordações. "Sempre gostei de cantar. Para ser sincero, cantava todas as vezes que as circunstâncias permitiam."
Devido a um pedido de alterações feito pelo Vaticano, o lançamento da edição em português (pela editora Planeta), com cerca de 200 páginas, foi adiado para a próxima semana.
Wojtyla nasceu em 18 de maio de 1920 em Wadowice, Cracóvia. Nestas memórias, fala sobre a origem de sua vocação e sobre a relação com os comunistas em sua terra natal. As pressões e os conflitos eram intensos; por vezes, religiosos eram mortos.
Um caso recordado é o de Nowa Huta e da cruz fincada para marcar o local onde a população queria erguer uma igreja. "As autoridades impuseram que a cruz fosse retirada. Mas as pessoas se opuseram decididas. Seguiu-se um verdadeiro conflito com a polícia, com vítimas e feridos. Foi uma das primeiras ações da longa luta pela liberdade e dignidade daquela população... Ao final a batalha foi ganha, mas a preço de uma desgastante "guerra de nervos". Conduzi as tratativas com as autoridades."
Na obra, o líder da Igreja Católica fala sobre o oportunismo mercantilista ante eventos fundamentais para o cristianismo como o Natal e a Páscoa e defende o celibato clerical. "O sacerdote, liberto da solicitude pessoal para a família, pode se dedicar de todo coração à missão pastoral. Entende-se, portanto, a firmeza com que a igreja de rito latino defendeu a tradição do celibato para seus sacerdotes."
Eleito papa em 1978, comenta nesta obra autobiográfica algumas marcas de seu pontificado, como as viagens e as canonizações.
"Sempre me agradou viajar e tenho bem claro que, de certa forma, essa tarefa foi dada ao papa pelo próprio Cristo... Cristo caminhava nas estradas da Palestina e regularmente seguiam-no grandes "multidões". Naturalmente, o ofício que desempenho faz com que me encontre com muita gente", alega o papa, que já percorreu ao menos 1,2 milhão de km (mais de três vezes a distância entre a Terra e a Lua).
Na conclusão, o líder católico estende o convite feito por Jesus no Getsêmani (pouco antes de ser traído por Judas) aos discípulos Pedro, Tiago e João: "Levantai-vos! Vamos! [Eis que o meu traidor está chegando]" (Marcos, capítulo 14, versículo 42).
De acordo com o papa, esse convite está dirigido de modo particular aos bispos. "Fazendo eco às palavras de nosso Mestre e Senhor, repito por isso, também eu, a cada um de vocês, caríssimos irmãos no episcopado: "Levantai-vos! Vamos!". Vamos na confiança em Cristo. Ele nos acompanhará no caminho, até a meta que só Ele conhece."


Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.


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