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RELIGIÃO
João Paulo 2º relata experiências desde que se tornou bispo, permeadas por opiniões; edição no Brasil sofrerá atraso
Papa é confessional em autobiografia que sai hoje
PAULO DANIEL FARAH
ESPECIAL PARA A FOLHA
A nova autobiografia do papa
João Paulo 2º, com lançamento simultâneo em diversos países hoje,
por ocasião de seu 84º aniversário, reúne relatos de experiências
pessoais acompanhados de poemas e recomendações a autoridades religiosas sobre questões diversas como celebrações, visitas
pastorais e o papel dos leigos.
Depois de "Dom e Mistério",
que continha reflexões sobre o
início do sacerdócio de Karol
Wojtyla (seu nome de batismo),
"Levantai-vos! Vamos!" se concentra no ministério episcopal e
retraça memórias do papa a partir
de 1958, ano em que foi nomeado
bispo de Cracóvia, na Polônia.
"Para um bispo é muito importante relacionar-se com as pessoas e adquirir a capacidade de
entrar em contato com elas de
maneira adequada. Cada pessoa é
um capítulo à parte. (...) Esse estilo não se pode aprender. É algo
que simplesmente é, porque vem
de dentro."
Sobre a função do bispo, diz que
ele "deve ser pai [espiritual]". "É
claro que nenhum homem expressa completamente a paternidade, já que esta se realiza plenamente apenas em Deus Pai".
João Paulo 2º escreveu a autobiografia durante as férias entre
março e agosto de 2003. Em tom
descontraído e confessional (que
a tradução preservou), fala do
gosto pela leitura e pela arte dramática. "Se não houvesse estourado a guerra, e a situação não tivesse mudado tão radicalmente, talvez as perspectivas que os estudos
acadêmicos de letras abriam
diante de mim teriam me absorvido completamente", afirma.
O apreço pelo canto também
aparece nas recordações. "Sempre gostei de cantar. Para ser sincero, cantava todas as vezes que as
circunstâncias permitiam."
Devido a um pedido de alterações feito pelo Vaticano, o lançamento da edição em português
(pela editora Planeta), com cerca
de 200 páginas, foi adiado para a
próxima semana.
Wojtyla nasceu em 18 de maio
de 1920 em Wadowice, Cracóvia.
Nestas memórias, fala sobre a origem de sua vocação e sobre a relação com os comunistas em sua
terra natal. As pressões e os conflitos eram intensos; por vezes, religiosos eram mortos.
Um caso recordado é o de Nowa
Huta e da cruz fincada para marcar o local onde a população queria erguer uma igreja. "As autoridades impuseram que a cruz fosse
retirada. Mas as pessoas se opuseram decididas. Seguiu-se um verdadeiro conflito com a polícia,
com vítimas e feridos. Foi uma
das primeiras ações da longa luta
pela liberdade e dignidade daquela população... Ao final a batalha
foi ganha, mas a preço de uma
desgastante "guerra de nervos".
Conduzi as tratativas com as autoridades."
Na obra, o líder da Igreja Católica fala sobre o oportunismo mercantilista ante eventos fundamentais para o cristianismo como o
Natal e a Páscoa e defende o celibato clerical. "O sacerdote, liberto
da solicitude pessoal para a família, pode se dedicar de todo coração à missão pastoral. Entende-se, portanto, a firmeza com que a
igreja de rito latino defendeu a
tradição do celibato para seus sacerdotes."
Eleito papa em 1978, comenta
nesta obra autobiográfica algumas marcas de seu pontificado,
como as viagens e as canonizações.
"Sempre me agradou viajar e tenho bem claro que, de certa forma, essa tarefa foi dada ao papa
pelo próprio Cristo... Cristo caminhava nas estradas da Palestina e
regularmente seguiam-no grandes "multidões". Naturalmente, o
ofício que desempenho faz com
que me encontre com muita gente", alega o papa, que já percorreu
ao menos 1,2 milhão de km (mais
de três vezes a distância entre a
Terra e a Lua).
Na conclusão, o líder católico
estende o convite feito por Jesus
no Getsêmani (pouco antes de ser
traído por Judas) aos discípulos
Pedro, Tiago e João: "Levantai-vos! Vamos! [Eis que o meu traidor está chegando]" (Marcos, capítulo 14, versículo 42).
De acordo com o papa, esse
convite está dirigido de modo
particular aos bispos. "Fazendo
eco às palavras de nosso Mestre e
Senhor, repito por isso, também
eu, a cada um de vocês, caríssimos
irmãos no episcopado: "Levantai-vos! Vamos!". Vamos na confiança em Cristo. Ele nos acompanhará no caminho, até a meta que só
Ele conhece."
Paulo Daniel Farah é professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
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