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Longe das câmeras, repressão em Isfahan é pior
BILL KELLER
DO "NEW YORK TIMES", EM ISFAHAN (IRÃ)
Os iranianos, de modo geral,
veem a reeleição do presidente
Mahmoud Ahmadinejad como
um milagre.
Alguns acreditam em um milagre no sentido literal que o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, pareceu indicar quando
declarou que a "mão milagrosa
de Deus" estivera em ação. Outros acreditam em milagre porque não enxergam qualquer explicação terrena para o fato de
um governante que presidiu
sobre o agravamento da inflação, o aumento do desemprego
e do isolamento do país ter
atraído quase 8 milhões de votos a mais do que em sua primeira vitória nas urnas.
Os iranianos cosmopolitas
aventam muitas teorias para
explicar por que tantos de seus
compatriotas toleram o paternalismo desta quase teocracia.
Um engenheiro: "Os iranianos são monarquistas". A Revolução Islâmica de 1979 não expulsou o xá, diz. Só o substituiu
por um líder supremo cuja palavra é literalmente lei.
Uma escritora: "Somos como
crianças sexualmente abusadas". Violados por aqueles de
quem esperam proteção, disse
ela, os iranianos acham que são
abusados porque merecem isso. Não falam sobre o assunto
porque sentem vergonha.
As teorias conspiratórias parecem vicejar em governos autoritários, possivelmente porque esses sistemas são, em essência, conspirações, eles próprios. No Irã, isso se aplica ao
público em geral -basta ver
quantas pessoas levaram canetas próprias às urnas por temer
que as canetas fornecidas pelo
governo tivessem tinta que poderia desaparecer.
E se aplica fartamente a seus
governantes. A lista traçada por
Ahmadinejad daqueles que
querem acabar com o Irã inclui
a maioria dos atores do pós-Segunda Guerra Mundial, mas no
momento está focada sobretudo na imprensa ocidental, sem
cuja ingerência, sugere, a população iraniana estaria feliz, unida e obediente.
Para ter uma ideia do que pode aguardar os insatisfeitos
quando não houver ninguém
para fazer o relato dos acontecimentos, vale notar o que
aconteceu na noite de segunda
em Isfahan, a terceira maior cidade do Irã, situada a cinco horas de carro da câmera de TV
estrangeira mais próxima.
Como em Teerã, partes importantes da cidade exibiam
cenas com fumaça e chamas,
pedras estilhaçando janelas,
cabeças ensanguentadas.
Em Isfahan, porém, a reação
da polícia pareceu ser muito
mais dura. Em um momento,
um utilitário esportivo branco
perseguiu um grupinho de manifestantes, em alta velocidade,
e arremeteu contra eles, atropelando um deles.
Bandos de milicianos à paisana foram soltos às centenas para semear o medo longe dos
protestos de fato. Muitos usavam as faixas de cabeça verdes
da oposição como camuflagem.
Um grupo de pessoas que assistiam à confusão foi encurralado na antiga ponte Si-o-Seh e
se viu diante de uma escolha:
ter suas cabeças quebradas ou
cair seis metros, até o leito seco
do rio Zayandeh. No último
instante, os agressores se desviaram, vendo outras presas
que poderiam espancar.
Às 22h, como em Teerã, uma
forma mais lírica de protesto
começou, com manifestantes
gritando em ondas desde os telhados de suas casas: "Deus é
grande! Morte ao ditador!". Em
algumas partes de Isfahan, contaram moradores, agressores à
paisana foram de porta em porta, quebrando janelas e às vezes
atirando bombas de gás.
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