São Paulo, quinta-feira, 18 de junho de 2009

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Longe das câmeras, repressão em Isfahan é pior

BILL KELLER
DO "NEW YORK TIMES", EM ISFAHAN (IRÃ)

Os iranianos, de modo geral, veem a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad como um milagre.
Alguns acreditam em um milagre no sentido literal que o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, pareceu indicar quando declarou que a "mão milagrosa de Deus" estivera em ação. Outros acreditam em milagre porque não enxergam qualquer explicação terrena para o fato de um governante que presidiu sobre o agravamento da inflação, o aumento do desemprego e do isolamento do país ter atraído quase 8 milhões de votos a mais do que em sua primeira vitória nas urnas.
Os iranianos cosmopolitas aventam muitas teorias para explicar por que tantos de seus compatriotas toleram o paternalismo desta quase teocracia.
Um engenheiro: "Os iranianos são monarquistas". A Revolução Islâmica de 1979 não expulsou o xá, diz. Só o substituiu por um líder supremo cuja palavra é literalmente lei.
Uma escritora: "Somos como crianças sexualmente abusadas". Violados por aqueles de quem esperam proteção, disse ela, os iranianos acham que são abusados porque merecem isso. Não falam sobre o assunto porque sentem vergonha.
As teorias conspiratórias parecem vicejar em governos autoritários, possivelmente porque esses sistemas são, em essência, conspirações, eles próprios. No Irã, isso se aplica ao público em geral -basta ver quantas pessoas levaram canetas próprias às urnas por temer que as canetas fornecidas pelo governo tivessem tinta que poderia desaparecer.
E se aplica fartamente a seus governantes. A lista traçada por Ahmadinejad daqueles que querem acabar com o Irã inclui a maioria dos atores do pós-Segunda Guerra Mundial, mas no momento está focada sobretudo na imprensa ocidental, sem cuja ingerência, sugere, a população iraniana estaria feliz, unida e obediente.
Para ter uma ideia do que pode aguardar os insatisfeitos quando não houver ninguém para fazer o relato dos acontecimentos, vale notar o que aconteceu na noite de segunda em Isfahan, a terceira maior cidade do Irã, situada a cinco horas de carro da câmera de TV estrangeira mais próxima.
Como em Teerã, partes importantes da cidade exibiam cenas com fumaça e chamas, pedras estilhaçando janelas, cabeças ensanguentadas.
Em Isfahan, porém, a reação da polícia pareceu ser muito mais dura. Em um momento, um utilitário esportivo branco perseguiu um grupinho de manifestantes, em alta velocidade, e arremeteu contra eles, atropelando um deles.
Bandos de milicianos à paisana foram soltos às centenas para semear o medo longe dos protestos de fato. Muitos usavam as faixas de cabeça verdes da oposição como camuflagem.
Um grupo de pessoas que assistiam à confusão foi encurralado na antiga ponte Si-o-Seh e se viu diante de uma escolha: ter suas cabeças quebradas ou cair seis metros, até o leito seco do rio Zayandeh. No último instante, os agressores se desviaram, vendo outras presas que poderiam espancar.
Às 22h, como em Teerã, uma forma mais lírica de protesto começou, com manifestantes gritando em ondas desde os telhados de suas casas: "Deus é grande! Morte ao ditador!". Em algumas partes de Isfahan, contaram moradores, agressores à paisana foram de porta em porta, quebrando janelas e às vezes atirando bombas de gás.


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