São Paulo, quarta-feira, 18 de julho de 2001

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JUSTIÇA

Previsão é de entidades internacionais de defesa dos direitos humanos

Corte internacional deve sair em 2002

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

Três anos após ter sua criação prevista pelo Tratado de Roma, o Tribunal Penal Internacional, que julgará crimes contra a humanidade, de guerra e de genocídio, deverá entrar em funcionamento em 2002, quando 60 países já deverão ter ratificado seu estatuto.
É a expectativa de entidades internacionais de direitos humanos reunidas na Coalizão por um Tribunal Penal Internacional, formada, entre outras, pela Anistia Internacional, Human Rights Watch e Comissão Internacional de Juristas.
Até o momento, 139 países já assinaram o tratado, mas apenas 36 o ratificaram. "A instalação do tribunal deverá ocorrer antes de 2003, prazo inicialmente previsto", disse à Folha a desembargadora federal Sylvia Steiner, que integra a delegação brasileira na Comissão Preparatória do Tribunal Penal Internacional (TPI).
"Já temos 36 ratificações e praticamente todos os países da União Européia estão em processo de finalização", afirma.
"É natural que o processo seja lento porque os Estados estarão cedendo parte de sua soberania e isso é complicado", diz o advogado e articulista da Folha Luís Francisco Carvalho Filho, observador da Conferência de Roma indicado pelo governo brasileiro.
Em geral, a ratificação de tratados é analisada pelo Parlamento e submetida ao Poder Executivo.
O TPI ainda encontra forte resistência de países importantes como EUA, Rússia e China. Os dois primeiros assinaram o tratado, mas não o ratificaram. A China nem mesmo o assinou.
Nas reuniões preparatórias, os EUA têm exigido que autoridades, funcionários e militares americanos sejam excluídos da jurisdição do TPI enquanto o país não decidir ratificar o tratado.
O ex-presidente Bill Clinton assinou o tratado no último dia possível, em 31 de dezembro de 2000, mas não enviou uma proposta de ratificação ao Senado. A administração Bush parece ser ainda mais hostil e poderá, inclusive, retirar a assinatura e se empenhar em uma campanha contra a ratificação.
"Os EUA têm resistência em ratificar convenções internacionais de direitos humanos. Não há dúvida de que têm feito pressão para que países com quem têm relação estreita não ratifiquem o estatuto", diz Sylvia Steiner.
O Brasil já o assinou, mas não ratificou. Segundo o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o Ministério das Relações Exteriores ainda não enviou para o Congresso tradução oficial do tratado, passo inicial para sua ratificação.
"O Brasil deveria estar entre os primeiros 60 países a ratificar. Mas parece que o governo está preferindo ratificá-lo só depois que o tribunal já for uma realidade. Não duvido de que esteja havendo pressão dos EUA", diz.
No final da tarde de ontem, a Folha pediu ao Itamaraty uma posição oficial do governo, mas foi informada de que não seria possível uma resposta imediata.
O deputado Miranda é autor de uma proposta de emenda à Constituição, ainda não votada, que autoriza o Brasil a ratificar o tratado, apesar de algumas incompatibilidades do estatuto do TPI com a Constituição brasileira, que não permite a extradição de cidadãos e a pena de prisão perpétua.
O TPI será um tribunal permanente com jurisdição para julgar crimes de guerra, contra a humanidade (tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados, violações sexuais em situação de conflito, entre outros) e de genocídio.
Ele só poderá exercer a competência quando o Estado onde houver ocorrido os crimes ou o Estado de nacionalidade de seus supostos autores não se mostrarem capazes de julgá-los O TPI não terá polícia própria, mas poderá decretar a prisão preventiva dos supostos autores de crimes.
"Ao ratificar o tratado, os Estados se obrigam a cooperar na captura, coleta de provas, depoimento de testemunhas, envio de documentos etc", explica Steiner.
Baseado em Haia (Holanda), terá 18 juízes e um escritório de promotoria independente, escolhidos por uma assembléia dos Estados-membros.
O TPI também desperta a desconfiança de especialistas, que acreditam que a nova corte não terá força para atuar de forma totalmente independente.
"Há poucas décadas, era uma utopia. Mas não devemos ter ilusão. O tribunal servirá para punir derrotados", diz Luís Francisco Carvalho Filho.
"Pessoas em pleno exercício do poder ou protegidas por países poderosos não serão levadas ao tribunal. Creio que ele servirá de advertência para os países periféricos. E isso já é importante."


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