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São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2003

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TERROR

Segundo jornal "Página/12", país enviou alerta poucas semanas antes de atentado que matou 85 em centro judaico da capital

Brasil teria alertado Argentina sobre ataque

ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

O governo argentino teria sido alertado pelo serviço de inteligência do Brasil sobre a possibilidade de um atentado em Buenos Aires poucas semanas antes da explosão de um carro-bomba em frente à Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), que matou 85 pessoas em 18 de julho de 1994. A informação foi publicada ontem pelo jornal argentino "Página/12".
Após exatos nove anos do atentado, a Justiça argentina ainda não encontrou os responsáveis. Segundo o jornal, o alerta brasileiro teria chegado por escrito ao escritório da Side (Secretaria de Inteligência do Estado) em Foz do Iguaçu. "Por burocracia, negligência ou qualquer outro motivo, a Side não deu atenção às advertências", diz o jornal. A Argentina é o único país da América Latina que foi alvo de atentados terroristas. Em março de 1992, 29 pessoas morreram em atentado à Embaixada de Israel em Buenos Aires.
O jornal cita, sem identificar, uma fonte do alto comando da Side. Ela diz que, há dois anos, dois dos funcionários que lideraram as investigações sobre o atentado -Patricio Finner e Alejandro Brousson- confirmaram o recebimento do alerta brasileiro.
"Não temos elementos para dizer se a informação é séria e verdadeira. Até agora ninguém viu esse documento. Esperamos que essas pessoas, quando estiverem na frente no juiz, falem a verdade para que o caso seja esclarecido", diz o presidente da Daia (Delegação de Associações Israelitas da Argentina), José Hercman.
Esta não é a primeira vez que aparece um "elo brasileiro" nas investigações. Poucas semanas antes do atentado, o brasileiro Wilson dos Santos visitou consulados da Argentina, do Brasil e de Israel em Milão para alertar sobre um possível ataque em Buenos Aires. Interrogado sobre o tema, disse que havia inventado a história e foi preso por falso testemunho. Foi libertado recentemente, por já ter cumprido parte da pena.
No início do mês, o novo titular da Side, Sergio Acevedo, anunciou que, por ordem do presidente Néstor Kirchner, os arquivos da secretaria seriam disponibilizados para as investigações sobre o caso. A abertura dos arquivos e a liberação do segredo de Estado -determinado no governo de Carlos Menem (1989-1999)- era um pedido antigo da comunidade judaica argentina e dos parentes das vítimas do atentado.
"Pela primeira vez em nove anos, um governo argentino decidiu que o caso Amia é uma causa do Estado argentino", disse o presidente da Amia, Abraham Kaul. "Desta vez parece que há vontade política para apurar o caso", afirmou Hercman à Folha.
Na reportagem de ontem, o "Página 12" afirma ainda que na época do atentado o então chefe da Side, Hugo Anzonegary, teria proibido, a pedido de Menem, qualquer avanço nas investigações que pudesse indicar uma participação de governos estrangeiros nos atentados. Especula-se que, em troca, Menem teria conseguido financiamento para a sua campanha -em 1995 ele se reelegeu presidente.
A denúncia foi feita por reportagem do "New York Times", em que um suposto desertor da agência de inteligência do Irã disse que seu país organizou o atentado e pagou US$ 10 milhões para Menem encobrir o crime. Menem negou a acusação e disse que processaria o diário por calúnia.
Outra versão é a de que Menem teria suspendido um programa de cooperação nuclear com países árabes. Teria, ao mesmo tempo, estreitado as relações políticas e comerciais com os EUA, além de visitar Israel. Isso, segundo essa versão, teria irritado alguns governo árabes, que culpam o recuo de Menem pelo fato de não terem conseguido desenvolver armamentos nucleares.
"Não sabemos até que ponto Menem estaria ou não envolvido. Sabemos, sim, que ele não encarou o caso como assunto de Estado. Não havia vontade política para investigar", diz Hercman.


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