São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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ARGENTINA

Número de homicídios sobe 900% em oito anos, mas é a onda de sequestros o que mais preocupa os moradores

Buenos Aires vive explosão de violência

JOÃO SANDRINI
DE BUENOS AIRES

A prolongada crise econômica e os níveis de desemprego recorde levaram a uma explosão de violência em Buenos Aires, que já não pode ser considerada a cidade mais segura da América do Sul, como há alguns anos.
A velocidade com que o crime avança sobre a capital argentina impressiona a população e os especialistas. A taxa de assassinatos cresceu 900% em apenas oito anos, passando de 0,5 homicídio doloso por cada 100 mil habitantes, em 1993, para um índice de 4,99 por 100 mil em 2001.
No entanto, se estivesse localizada no Estado de São Paulo, Buenos Aires ainda poderia ser considerado um município seguro. Segundo a Fundação Seade, a cidade de São Paulo registrou uma taxa de homicídios de 54,46 por 100 mil habitantes no ano passado. Ou seja, mais de dez vezes o índice da capital argentina.
Mesmo assim, outros dados sobre a criminalidade mostram que a diferença entre São Paulo e Buenos Aires está cada vez menor. Em 2001, quase 40% dos habitantes foram vítimas de algum delito.
Mas são os sequestros que mais preocupam a população. Segundo estimativas extra-oficiais, cem pessoas foram sequestradas na Província de Buenos Aires nos primeiros seis meses de 2002, o que significa um crescimento de 100% em relação ao ano anterior.
No Estado de São Paulo, onde a população é três vezes maior, houve 199 casos de sequestro no período. Ou seja, o número relativo de sequestros é maior na capital portenha.
Surpreendentemente, a explicação para o boom de sequestros é financeira. Desde dezembro, quando o governo impôs restrições para o saque de depósitos bancários, os argentinos passaram a guardar o dinheiro em casa. Segundo o Indec (o IBGE local), no país há pelo menos US$ 28 bilhões guardados "debaixo do colchão". O hábito facilita o trabalho dos criminosos, que deixaram de se arriscar em assaltos a banco.
O fato de o cidadão comum ter se tornado o alvo da violência assustou a população. Segundo pesquisa do Ministério da Justiça, 88% dos portenhos acreditam que tenham alta probabilidade de ser vítimas de um crime.
Com isso, as vendas de armas, câmeras de segurança, cofres, alarmes, blindagem para carros e seguros anti-sequestro dispararam no país.
Hoje, a polícia estima que 11,4% dos habitantes da cidade, ou quase 300 mil pessoas, possuam uma arma em casa. "Buenos Aires virou outra cidade", diz a médica Stella Reyes, 56. Ela conta que, há alguns anos, costumava sair à noite com um grupo de amigas e, no início da madrugada, todas voltavam a pé para casa. Agora, ela afirma que liga para um taxista conhecido quando quer voltar para casa.
Já Liliana Ferreira, 52, diz que deixou de sair à noite com o carro do marido, mais novo, e passou a usar o dela mesmo para não chamar a atenção. Outra precaução foi instruir o motorista que costuma levar o filho de 11 anos à escola a variar sempre o trajeto e o horário da viagem. "Estou me adaptando à nova realidade."
Para especialistas ouvidos pela Folha, a explicação óbvia -mas não a única- para o crescimento da violência está na degradação dos indicadores sociais. A Argentina tem hoje um índice recorde de desemprego, de 21,4%, e mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza.
"A população pobre pensa hoje apenas no próximo prato de comida. A primeira iniciativa é procurar um emprego. Se não dá certo, o próximo passo é tentar pedir esmola. Mas, quando nem isso funciona, o crime se torna a única solução", diz Juan Labaqui, especialista em violência da Fundação Sophia.
Ele também explica que o crime recentemente migrou da periferia para o centro e os bairros mais ricos de Buenos Aires, um processo influenciado pela "favelização" da cidade. Segundo a prefeitura, 110 mil pessoas vivem hoje em 18 favelas, contra 50 mil há 10 anos.
Outra explicação está na falta da credibilidade das instituições de segurança, como a polícia e a Justiça. Para 46% dos cidadãos, a polícia não faz um bom trabalho. O índice é explicado pelos seguidos escândalos de corrupção envolvendo policiais, que recebem 400 pesos (US$ 111) mensais.
"Vivemos um momento de descomposição social, que inclui não apenas a população, mas também a Justiça e a polícia, duas instituições com um histórico de abuso de poder, corrupção e impunidade", diz Ricardo Sidicaro, professor de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.


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