São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Na conciliação à libanesa, quase tudo será como antes para o Hizbollah

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT", EM BEIRUTE

Ora você as vê, ora não. Armas do Hizbollah? Não havia nenhuma à vista e não havia nenhuma para ser recolhida pelo Exército libanês. Pois, quando esse grupo respeitado de homens atravessou o rio Litani, ontem, seus oficiais deixaram muito claro que não caberia ao Exército desarmar o Hizbollah. E ninguém no Líbano se surpreendeu. Afinal, a maioria dos soldados libaneses que está na região é xiita, como o Hizbollah. Em muitos casos, os soldados não apenas vêm dos mesmos povoados, mas têm parentesco com os guerrilheiros que deveriam desarmar.
Trata-se, em outras palavras, de uma solução conciliatória tipicamente libanesa. Então como fica a resolução 1.701 do Conselho de Segurança? Sim, é verdade que os franceses estão a caminho, ou deveriam estar. São os franceses que vão comandar a nova força internacional no Líbano. Mas será que se espera que eles desarmem o Hizbollah? Ou que apenas atuem como força amortecedora, para proteger Israel? Os franceses estão exigindo uma definição clara para o papel que exercerão aqui, no que fazem bem. Mas o Líbano não fornece definições claras a ninguém.
Quando os soldados atravessaram o Litani, a população libanesa lhes deu as boas-vindas com a tradicional chuva de arroz e água de rosas. Mas a verdade é que a mesma população dos vilarejos deu as mesmas boas-vindas aos israelenses em 1982 -e ao Hizbollah, tempos depois. Entretanto, o Exército libanês representa a paz -pelo menos por algum tempo- para as pessoas que ainda retiram corpos dos escombros.
A impressão transmitida pela televisão foi boa -todos aqueles tanques T-54 velhos, do tempo do Pacto de Varsóvia supostamente retornando ao extremo sul do Líbano pela primeira vez em 30 anos. É claro que não era verdade. Embora não tenham estado na fronteira, milhares de soldados libaneses têm ficado estacionados em cidades do sul desde a guerra civil, convenientemente deixando as atividades do Hizbollah passar em brancas nuvens.

Amigo israelense
Entre os militares libaneses que mais conhecem o sul estão os integrantes de uma guarnição de mil homens estacionados na cidade cristã de Marjayoun, que fugiram após a incursão terrestre de Israel, há uma semana. Esse incidente encerra toda uma história. O comandante, general-de-brigada Adnan Daoud, acaba de ser preso, acusado de traição, depois de ser mostrado pela TV israelense tomando chá com um oficial israelense no quartel. A emissora de televisão Al Manar, pertencente ao Hizbollah, retransmitiu as imagens no Líbano.
Antes de sua prisão, o general Daoud foi temerário a ponto de ter se aberto com Lauren Frayer, repórter da agência Associated Press. Os israelenses, disse ele, "vieram até nosso portão pacificamente e pediram para falar comigo, citando meu nome". Um oficial que se apresentou como o coronel Ashaya conversou com Daoud sobre as relações militares israelo-libanesas no futuro.
"Durante quatro horas, eu o conduzi numa visita a nossa base", disse o general. "Ele provavelmente estava em missão de inteligência e queria ver se tínhamos homens do Hizbollah aqui." Mas, uma hora após a partida do israelense supostamente amigável, tanques israelenses abriram caminho com morteiros pelos portões da guarnição. Os soldados libaneses não revidaram o fogo. Em lugar disso, abandonaram Marjayoun -e seu comboio, que incluía carros civis, foi atacado por pilotos israelenses, que mataram sete civis.
Tudo isso foi esquecido em Beirute quando o primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, repetiu que não haverá mais "Estados dentro do Estado" e que o Hizbollah deixará a área ao sul do Litani. A declaração pode ser classificada na categoria das "improbabilidades". Não apenas a maior parte dos homens do Hizbollah vive na região, como vários de seus oficiais deixaram claro ontem que disseram ao Exército libanês que não realizasse buscas por armas. Ou seja, o desarmamento do Hizbollah ao sul do Litani fica por isso mesmo. E o mesmo se aplica à "guerra contra o terror" que os israelenses afirmam travar em prol dos EUA.


Tradução de CLARA ALLAIN

Texto Anterior: ONU enfrenta resistências a força de paz
Próximo Texto: Hesitação da França complica negociações
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.