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ESPANHA
Para premiê espanhol, ONU deve liderar a ponte entre o Ocidente e os muçulmanos, para neutralizar o terrorismo
Zapatero defende diálogo com o islamismo
JESÚS CEBERIO
FÉLIX MONTEIRA
DO "EL PAÍS", EM MADRI
Ao completar ontem seis meses
como primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, 44, defendeu a idéia que lançou na Assembléia Geral da ONU
de diálogo entre o Ocidente e os
muçulmanos para neutralizar o
terrorismo. Disse não ter uma solução detalhada, mas acredita que
o secretário-geral Kofi Annan
possa levar adiante o projeto.
Zapatero reiterou que a Guerra
do Iraque foi um erro e disse que o
fato de a Espanha ter retirado seus
militares daquele país não impediu que, em outros campos, Madri e Washington continuem a
colaborar de modo estreito.
Afirmou ainda que é possível
que certos temas de "ampliação
dos direitos da cidadania", como
a adoção de crianças por casais
homossexuais, provoquem discordâncias na hierarquia católica.
Eis os principais trechos da entrevista, concedida pelo premiê
no Palácio de la Moncloa, sede do
governo espanhol.
Pergunta - O sr. defendeu na ONU
uma aliança do Ocidente com os
muçulmanos para neutralizar o
terrorismo. Como traduzir essa
proposta em termos práticos?
José Luis Zapatero - Expus a
idéia ao secretário-geral Kofi Annan, para que a ONU ponha tal
projeto em prática e o torne eficaz. A idéia, imprescindível, procura fortalecer a comunicação e a
compreensão com os árabes e
com todos os muçulmanos. A
evolução da crise no Iraque e a situação entre Israel e Palestina estão produzindo um fosso entre
sociedades. A possibilidade de
diálogo vem sendo substituída
pela linguagem do confronto. Annan demonstrou interesse. Espero que possamos caminhar.
Pergunta - A proposta de reforçar
o papel da União Européia no conflito entre israelenses e palestinos
vai no mesmo sentido?
Zapatero - Existem dois obstáculos determinantes à aliança entre civilizações. Um está no Iraque
e nas conseqüências da intervenção naquele país. O outro está na
deterioração profunda da situação entre israelenses e palestinos.
A Europa deve mobilizar todo o
seu potencial político. Ela é hoje
um espaço que representa os melhores valores.
Pergunta - Suas posições não seriam um pouco utópicas?
Zapatero - Alguns me qualificaram de ingênuo. Mas acredito que
precisamos fundamentar uma
nova ordem internacional com
mais ideais e menos mentiras.
Pergunta - Os EUA dariam mais
poder à ONU?
Zapatero - Uma coisa é a política
num determinado momento, numa administração como a do presidente Bush. Outra coisa são os
valores da sociedade americana.
Esses valores voltarão a predominar. Há dias reli o discurso de posse do presidente Kennedy. Ele
afirmava que os poderosos devem
estar submetidos ao poder maior
da ONU. Viveremos em breve a
recuperação dos princípios da legalidade internacional, do multilateralismo e da relevância da
ONU, pouco importa o resultado
das eleições americanas de 2 de
novembro.
Pergunta - Como Bush respondeu
a seu discurso em Túnis, no qual o
convidava a seguir o exemplo da
Espanha e se retirar do Iraque?
Zapatero - Disse-me que não estava satisfeito, e que as relações
entre países amigos deveriam ser
outras. Respondi que a sinceridade é um valor supremo, maior
que a amizade. Continuaremos a
ser amigos dos EUA. E continuarei a pensar que a Guerra no Iraque foi um erro.
Pergunta - Houve represálias?
Zapatero - Em absoluto. Mas
não há nenhum problema no relacionamento bilateral. Em outros campos a cooperação tem sido intensa, como no Afeganistão
e na Venezuela. Somos países democráticos e soberanos.
Pergunta - Havia ligações entre
os serviços secretos marroquinos e
os atentados de 11 de março?
Zapatero - É uma perfeita insensatez, como tantas outras que foram ditas depois de 11 de março.
Os serviços de informação do
Marrocos colaboraram e continuarão a colaborar contra o terrorismo islâmico. O Marrocos é importante para nós em questões
como a imigração, a estabilidade e
a modernização do conjunto de
países árabes na África do Norte.
Pergunta - O sr. centra na política
externa as mudanças que o diferenciam do governo anterior?
Zapatero - Em seis meses o governo condensou em seis idéias o
projeto que representamos: paz,
Europa, mulher, cidadania, solidariedade e segurança. A paz se
traduziu pela retirada das forças
espanholas do Iraque e por meu
discurso na ONU. A segunda está
na aprovação da Constituição Européia. A terceira está na igualdade entre os sexos e o combate à
violência contra a mulher. Com
relação à cidadania, os exemplos
são a reforma da Lei do Divórcio e
o matrimônio entre homossexuais. Em seguida há as políticas
sociais, com o aumento das bolsas, aumento de pensões e do salário mínimo. Há por fim o fortalecimento do Estado para o combate ao terrorismo. Avançamos
nos direitos da cidadania, fazendo
retroceder a intolerância.
Pergunta - Algumas medidas revoltaram a hierarquia católica.
Zapatero - O governo nada inventou. Traduziu os valores da
maioria social por meio da extensão dos direitos da cidadania. Era
nosso projeto eleitoral, foi a opção
dos eleitores. Pesquisas demonstram que mais de 60% dos cidadãos nos apóiam. O governo quer
ter boas relações com a Igreja Católica. As urnas nos impelem democraticamente a transformar
em leis realidades sociais. É o que
estamos fazendo.
Pergunta - O sr. não teme a mobilização dos púlpitos?
Zapatero - O governo não tem
nenhum interesse em abrir conflitos com a igreja. Se a igreja não
concorda com algumas leis, nós
respeitaremos suas opiniões.
Pergunta - Mas não é só a igreja
que faz restrições ao direito de
adoção dos casais homossexuais.
Zapatero - Para que um casal homossexual adote uma criança não
é preciso, hoje, que a Espanha
modifique sua legislação. O que
estamos fazendo é reforçar os direitos das crianças adotadas.
Pergunta - Como o sr. reagiu às
críticas que lhe foram feitas pelo
arcebispo de Santiago?
Zapatero - Creio que a igreja deva pertencer ao momento histórico que vivemos na Espanha.
Quanto mais preservarmos os espaços de liberdade, melhor será
para nós todos. Tivemos 11 de
março, que foi um duro golpe para nossa sociedade. Muitos quiseram restrições aos direitos. É possível que, se fôssemos um outro
país, teria ocorrido uma guinada
conservadora. Mas não foi o que
aconteceu. Estamos ampliando os
direitos da cidadania e as liberdades. É uma garantia impressionante de futuro para o país.
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