São Paulo, sábado, 19 de janeiro de 2008

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Morre o enxadrista Bobby Fischer

Um dos maiores do mundo, o americano virou herói após derrotar, em 1972, o soviético Spassky

Partida simbolizou vitória sobre o comunismo em plena Guerra Fria; campeão acabou recluso, defendendo o terror e o anti-semitismo

julho de 1971/France Presse
Bobby Fischer (dir.) enfrenta o soviético Tigran Petrossian, em Buenos Aires, ainda antes da fama


DA REDAÇÃO

Morreu ontem na cidade de Reykjavík, capital da Islândia, o enxadrista americano Bobby Fischer.
Morto aos 64 anos, de causa ainda não revelada, Robert James Fischer ficou famoso não só por ser um dos maiores enxadristas do mundo como por seu temperamento peculiar e por ter protagonizado, em 1972, uma partida envolta no simbolismo do embate soviético-americano da Guerra Fria.
Nascido em Chicago e criado por sua mãe no bairro nova-iorquino do Brooklin, Fischer ganhou seu primeiro tabuleiro de xadrez da irmã, Joan, quando tinha 6 anos. Aos 16 já havia largado os estudos para se dedicar mais à modalidade. Tornara-se um campeão de xadrez aos 14.
"Foi Bobby quem fez, sozinho, o mundo reconhecer que o xadrez de alto nível era tão competitivo quanto o futebol, tão emocionante quanto um duelo até a morte, tão esteticamente prazeroso como uma bela obra de arte", escreveu Harold C. Schonberg, em 1973, lembra o "New York Times".
Schonberg cobriu o histórico confronto entre Fischer e o russo Boris Spassky, realizado em 1972, em Reykjavik, a mesma cidade que se tornaria o lar do americano anos mais tarde. Numa série de 21 partidas que foram o simulacro de um embate entre os EUA e a União Soviética -cuja possibilidade de ser levado a cabo ainda amedrontava muitas pessoas no mundo todo-, Fischer ganhou sete, contra três vitórias de Spassky e 11 empates.
A vitória lhe rendeu o título de campeão mundial, até então com Spassky, e US$ 250 mil.

Herói recluso
O triunfo sobre o soviético, uma imagem da vitória da democracia sobre o comunismo, rendeu-lhe também fama. Ele foi recebido na Casa Branca pelo então presidente dos EUA, Richard Nixon (1969-74), transformando-se num herói americano. Um dos efeitos das partidas de Reykjavík foi uma popularização sem precedentes do jogo de xadrez nos EUA.
No ano seguinte, porém, Fischer tornou-se recluso. Foi viver na Califórnia, onde se dizia que passava o tempo jogando xadrez e lendo literatura nazista. Em 1975, ao se recusar a enfrentar o russo Anatoly Karpov, perdeu o título mundial.
Apesar dos rumores de que estava prestes a voltar, só reapareceu no ano de 1992, para uma revanche contra Boris Spassky na Iugoslávia -e para vencer o russo novamente.
O jogo na Iugoslávia violou sanções dos EUA ao antigo país da Cortina de Ferro, e Bobby Fischer passou a ser procurado no seu país. O ex-herói americano desapareceu de novo, tendo vivido um tempo no Japão -onde chegou a ficar preso por nove meses, sob acusação de tentar deixar o país com um passaporte inválido- e finalmente na Islândia.
Fischer não causou estupor apenas por ter se tornado uma espécie de eremita, tendo recusado alguns convites milionários para jogar fora dos EUA. Ele também causou choque por declarações anti-semitas e por ter, em setembro de 2001, dito a uma rádio filipina que o ataque da Al Qaeda aos EUA naquele mês tinha sido uma "notícia maravilhosa". Fischer disse que ansiava pelo dia em que os EUA seriam "tomados pelos militares, e eles fecharão as sinagogas e prenderão todos os judeus". A mãe de Fischer, Regina, morta em 1997, era judia.
Segundo pessoas próximas ao enxadrista, ele sofreu muito com a morte da mãe, com quem mantinha contato apesar da distância -ela não deixou os EUA, diferentemente do filho, que abriu mão da cidadania americana e ganhou a islandesa em 2005.
"Eles sempre usam a palavra "excêntrico", "excêntrico", "esquisito'", teria dito Fischer certa vez, segundo a rede BBC. "Eu sou chato! Eu sou chato!"
"Para o azeri Garry Kasparov, Bobby Fischer representou nos anos 60 uma "revolução" no xadrez, diz a BBC.
Ainda segundo a rede britânica, Boris Spassky afirmou lamentar muito a morte do velho oponente, que não chegou a se casar e não teve filhos.


Com o "New York Times"


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