São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011

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ONDA DE REVOLTAS

Jornalistas vivem sua "primavera da liberdade" no Egito

Controlada pelo regime, mídia egípcia começa a sentir efeitos de queda de Hosni Mubarak, há uma semana

Jornais agora exploram assunto antes proibido, a corrupção, com casos sobre desvios públicos e abusos de poder

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO CAIRO

Quando ouviu a notícia da renúncia de Hosni Mubarak, após acompanhar de perto os 18 dias de protestos contra o ditador na praça central do Cairo, o jornalista Ayman Farouk pressentiu que aquele também era o começo de uma revolução profissional.
Funcionário há 12 anos do jornal estatal "Al-Ahram", o maior do país, Farouk jamais pôde escrever uma linha sequer contra o governo.
Nos dias turbulentos na praça Tahrir, o jornalista ousou retratar fielmente a fúria contra o regime. Mas as informações que passava eram desidratadas na Redação e reduzidas a algo menor.
"Nos primeiros dias, o jornal escondeu os protestos", lembra Farouk. "Era um jornal em guerra com si mesmo e, pior, com a realidade."
A queda de Mubarak provocou uma reviravolta na imprensa estatal, removeu as amarras da mídia privada e está redefinindo o ofício de jornalista no país.
Na primeira semana sem Mubarak em 30 anos, a imprensa egípcia viveu uma inédita primavera de liberdade. Os jornais aproveitaram para ir fundo num assunto antes proibido, a corrupção.
O primeiro sinal dos novos tempos foi na noite da renúncia, quando o "Al-Ahbar" chegou às ruas com uma manchete, sem maquiagem. "Povo derruba o presidente."
"Ninguém segurou a explosão de alegria na Redação", conta Doaa Khalifa, editora do "Hebdo", suplemento em francês do diário. "Pela primeira vez fomos consultados sobre qual deveria ser a manchete."

SATÉLITE
Nos últimos anos, o regime já permitira uma certa abertura na mídia. Surgiram jornais e canais de TV por satélite independentes.
Dos três jornais mais vendidos, dois são estatais, "Al-Ahram" (A Pirâmide) e "Al-Akhbar" (A Notícia). Ensanduichado entre os dois, está o independente "Al-Masry Al-Youm" (O Egito Hoje).
Mas o alcance é limitado. Num país de 85 milhões de pessoas, a circulação global não passa de 3 milhões diários. A maior parte da população se informa pela televisão, principalmente nos canais captados por satélite.
Uma onda de satélites piratas proliferou a partir da Copa de 2006, dando a 65% dos egípcios acesso a uma variedade de canais nacionais e do exterior. Isso reduziu a influência da TV estatal.
Com a saída do ditador, a expectativa é de uma reforma nas regras do jogo. Na época de Mubarak, elas eram claras: críticas podiam até ser toleradas, mas nunca ao ditador e ao Exército.
Em 2005, Aia El-Sherbeny, do estatal "Rose al-Yusuf", foi julgada por reportar indícios de superfaturamento na construção de um prédio público. Para não ser presa, pagou fiança de R$ 5.500.
Para ela, ainda vai demorar para que o país tenha uma imprensa realmente livre. "Ainda há uma cultura de autocensura entre muitos jornalistas, principalmente os mais velhos", diz Aia, 29.


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