São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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Copa abre caminho para reaproximação Japão-Coréia

Apesar dos ressentimentos decorrentes da ocupação japonesa da península, Tóquio e Seul aproveitam o Mundial de futebol para fazer avanço diplomático

CHIAKI KAREN TADA
ENVIADA ESPECIAL AO JAPÃO

Em 11 dias, com o mundo com os olhos voltados para eles, Japão e Coréia do Sul, vizinhos próximos mas separados por um mar de ressentimentos, darão início à Copa do Mundo esforçando-se para fazer dos jogos uma forma de melhorar suas relações.
A distância que existe entre as duas nações - e que diminui ou aumenta conforme a maré dos acontecimentos- vem de longa data, quando o Japão colonizou a península coreana (1910-1945). Obrigou a população a adotar nomes japoneses e as mulheres, a trabalhar em bordéis para os soldados japoneses, fatores pelos quais os coreanos exigem que o Japão se desculpe, enquanto os japoneses se ressentem da fixação da Coréia do Sul pelo passado.
Com a definição de que os dois países abrigariam a Copa, em 1996, criou-se expectativa sobre como conduziriam a organização do evento. Desde então, algumas medidas vêm sendo adotadas, incluindo a assinatura, em abril, de um acordo inédito de extradição visando a segurança nos jogos, a definição deste ano como sendo o do intercâmbio cultural entre as duas nações, e a troca de visitas dos líderes políticos (o primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, e o presidente da Coréia do Sul, Kim Dae-jung) nos jogos.
Na semana passada, o gabinete japonês aprovou a ida do príncipe Takamado, primo do imperador Akihito, à abertura da Copa em Seul.
Mas ainda é verdade que qualquer incidente pode trazer de volta o velho ressentimento, como a visita surpresa que Koizumi realizou em abril ao santuário Yasukuni, onde são cultuados os mortos em combates, incluindo 14 criminosos de guerra condenados. A polêmica irritou sul-coreanos e chineses, mas não deve impedir o sucesso da Copa, disse o ministro das Relações Exteriores sul-coreano, Choi Sung-hong.
A controvertida história dos dois países se estende ao ensino. Há livros no Japão, por exemplo, que definem os coreanos submetidos a trabalho forçado como tendo sido "recrutados".
Também em abril, foram aprovados novos livros para estudantes de ensino médio, que, segundo o Ministério das Relações Exteriores da Coréia do Sul, não descrevem a história corretamente.
Grupos de civis de ambos os lados pediram a retirada dos livros, escritos pelo mesmo grupo que elaborou textos didáticos acusados de amenizar a história em 2001. Na ocasião, o Japão disse que não havia "erros claros" nos textos e que eles não representavam uma visão oficial. Cerca de 20 coreanos cortaram o dedo mindinho em Seul, em protesto.

Intercâmbio intenso
Embora o passado ainda seja obstáculo, o intercâmbio entre as populações tem sido intenso culturalmente e economicamente. "Oficialmente e politicamente, [o nível de relacionamento" está baixo. Mas, por meio de outros canais, estão sendo realizados intercâmbios intensamente, deixando a política de lado", diz Taeho Bark, diretor da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Nacional de Seul.
Em 2001, uma pesquisa do gabinete do governo japonês apontou que 50,3% dos japoneses sentem algum tipo de proximidade com a Coréia do Sul. Em 96, o índice era de 35,8%, em parte devido a incidentes envolvendo a disputa pelas ilhas Takeshima/Tok-do localizadas entre os dois países.
Em 2000, o índice atingiu o ponto mais alto, 51,4%. Houve, portanto, uma ligeira queda em 2001, atribuída por Susumu Kohari, professor assistente de relações internacionais na Universidade de Shizuoka no Japão e autor de livros sobre o país vizinho, à questão dos livros. "Mas isso não chega a ser uma queda, o que prova que o intercâmbio entre os indivíduos está firme", avalia.
Curiosamente, a Coréia do Sul está na moda no Japão, e a mídia chama esse fenômeno de "boom da Coréia". Música, comida e até a forma como as sul-coreanas cuidam da pele têm agradado aos jovens.
Já a Coréia do Sul tem promovido a liberação gradual de produtos culturais japoneses, como filmes e shows musicais que atraem as gerações jovens.
Para Kohari, o ressentimento continuará presente também enquanto houver desequilíbrio econômico e diferenças na educação.
Segundo ele, são poucos os jovens japoneses que sabem sobre o período da anexação. "Porque não sabem muito do passado, nutrem um interesse sincero pela Coréia do Sul", explica. Já na vizinha, a educação é bastante orientada pelo nacionalismo, diz.
Os políticos japoneses também não ajudam, pois há os que dizem que a colonização da Coréia não foi algo ruim. Além disso, o premiê Koizumi, na avaliação de Kohari, não tem habilidade em lidar com política externa na Ásia.
Com uma crise econômica que dura anos, o Japão estaria enfraquecido como liderança política na Ásia. "É um país que sempre apostou suas fichas diplomáticas na economia", explica Alexandre Uehara, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da USP.
No futuro próximo, poderá perder esse posto para a China, que claramente almeja tal posição.
E, se o Japão e a China são os "dois grandes jogadores" desse cenário, diz Bark, o papel da Coréia do Sul será, por sua situação geográfica e histórica, o de intermediador. "Deveríamos nos preocupar com o futuro mais que com o passado. Mas isso não quer dizer que o passado será mudado." Para resolver o impasse, diz, o Japão deve pedir desculpas claramente ou algum líder sul-coreano deve dizer que o passado deve ser superado. "Afinal, estamos vivendo no século 21. Ainda haverá quem fale nisso, mas aí é uma questão de liberdade."


Chiaki Karen Tada voou a convite do Escritório Econômico e Cultural de Taipé


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