São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 2006

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Ajuda externa inepta enfraquece o governo

DAVID LOYN
DO "INDEPENDENT", EM CABUL

Samihullah é o tipo de ex-refugiado do qual seu país precisa. Aos 30 anos de idade, com mulher e dois filhos, ele recebeu boa educação nos campos além da fronteira com o Paquistão. Depois que o Taleban foi derrubado, em 2001, Samihullah voltou para casa e foi trabalhar no Ministério da Educação afegão, onde ajudou a reconstruir o ensino de terceiro grau. Mas isso acabou.
Eu o encontrei trabalhando como guarda de segurança na sede do Programa Mundial de Alimentos da ONU em Cabul. Ele ganha US$ 270 por mês aqui, muito mais que os US$ 50 no setor de ensino. A decisão de mudar de emprego não foi difícil.
Mas é o sistema internacional que está deixando o Afeganistão sem recursos. Qualquer refugiado que retorna e fala inglês tem emprego garantido na ONU ou numa miríade de ONGs que se estabeleceram em Cabul.
Ashraf Ghani, que foi ministro das Finanças no primeiro ano após a queda do Taleban e hoje é reitor da Universidade de Cabul, diz que a comunidade internacional fracassou no Afeganistão. Em vez de fortalecer o governo, criou um sistema paralelo que ativamente enfraqueceu a capacidade afegã de gerir seus próprios assuntos.
O maior temor de Ghani é o de que, deixando de fortalecer o governo afegão, o mundo pode estar ajudando o Taleban a se reagrupar, uma vez que a milícia islâmica se alimenta do ressentimento da população com o ritmo lento das reformas. "O jeito mais barato de trazer desenvolvimento e segurança é com o governo", afirma.
A escalada da máquina internacional encolheu o governo local. Grandes porções da capital estão fechadas devido às preocupações com a segurança. O restante da cidade é paralisado pelo trânsito na maior parte do dia. No leste da capital a ONU construiu uma sede do tamanho de uma pequena cidade.
A frustração do governo afegão com a maneira com que o dinheiro é gasto emergiu na conferência de doadores em Londres, no começo deste ano. Um relatório do Banco Mundial divulgado pouco antes do evento estimou que 90% das verbas internacionais para o desenvolvimento do Afeganistão continuavam a jorrar fora dos órgãos do governo.
Um vívido exemplo mostra o que acontece quando a comunidade internacional age sem as consultas necessárias. A construção de uma escola quase terminada para meninas é suspensa por falta de fundos. Próximo dela, uma outra escola é construída com dinheiro japonês. A primeira escola não pode ser concluída, pois é ignorada pelos japoneses. Americanos e japoneses, ambos grandes doadores ao Afeganistão, são os dois países com maior responsabilidade por gastos fora do governo. Apesar de afirmarem que as obras que subsidiam são de alto nível, a maioria não resistiria aos seus próprios padrões de qualidade.
O órgão de desenvolvimento do governo americano, Usaid, gosta de propagandear o número de escolas para meninas que construiu. Eu pedi certa vez para ver uma em Cabul e fiquei chocado ao ver seu estado. Uma placa na parede diz que ela é um presente do povo americano, mas o Lycee Mariam não é motivo nenhum de orgulho.
Professores dizem que os americanos fizeram pouco mais que acrescentar uma nova demão de tinta nas paredes e substituir o antigo telhado. O novo já tem goteiras. No pátio, dezenas de meninas têm aulas em barracas. A escola tinha a aparência de ter sofrido uma catástrofe recente.


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