São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2010

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ANÁLISE

EUA preferem status quo a ousar em negociação

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

Ao anunciar que tem o apoio dos demais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para a nova resolução contra o Irã, o governo americano buscou, em primeiro lugar, mostrar quem de fato manda numa hierarquia do poder global que potências emergentes como Brasil e Turquia dão como ultrapassada.
Em sua fala ao Senado americano, o tom da secretária Hillary Clinton passou do ceticismo da semana passada à condescendência quase irônica em relação aos "esforços sinceros" da iniciativa negociadora de Brasília e Ancara.
Não surpreende que, ao criticar as declarações de Hillary, o premiê turco Recep Tayyp Erdogan tenha afirmado que "é hora de discutir se acreditamos na supremacia da lei ou na lei dos supremos e superiores".
A segunda mensagem que o governo americano enviou -e que será anotada no Irã e em todo o Oriente Médio- é a de que, ao contrário do que vinha afirmando, negociações não lhe interessam agora.
Se, há um ano, a Casa Branca sinalizou que estaria disposta a reconhecer o direito iraniano de enriquecer urânio para fins pacíficos -como prevê o Tratado de Não Proliferação e reafirma o acordo de anteontem em Teerã-, está claro que essa abertura saiu da mesa.
EUA e aliados exigem rendição incondicional, repetindo o argumento de que o Irã manobra para ganhar tempo no esforço de obter a bomba -hipótese possível, mas que ainda não foi plenamente provada.
Ao mesmo tempo, porém, o governo americano sabe que sanções também visam conseguir prazo, este para adiar uma confrontação imediata e em grande escala com Teerã, no momento em que há mais de 250 mil soldados americanos estacionados nos vizinhos Iraque e Afeganistão.
Se as sanções forem fracas, seu efeito político será muito pequeno. Se forem fortes, provocarão um fechamento maior do regime iraniano.
Nos EUA, muitos já apregoam a inevitabilidade de o Irã fazer a bomba. Diante disso, dizem, só restaria à superpotência conter o uso da arma, como foi feito com sucesso com a antiga União Soviética.
O acordo mediado por Brasil e Turquia tem potencial para romper esse círculo vicioso e abrir caminho para que Teerã recomponha suas relações com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU), permitindo inspeções abrangentes que ponham fim às dúvidas sobre seu projeto atômico.
Mas tal cenário positivo dificilmente será concretizado se persistirem as desconfianças mútuas alimentadas por Irã e EUA desde a Revolução Islâmica, há 31 anos.
O acordo dava, aos americanos, uma chance de retorno à opção de iniciar um processo de normalização das relações com Teerã.
Formuladores importantes da política externa americana, como o ex-assessor de Segurança Nacional Zibgniew Brzezinski, estão entre os defensores de um entendimento amplo, pelo qual o status regional iraniano seria reconhecido e o país teria garantias de que não haverá operações secretas de mudança de regime nem ataques militares.
É claro que, além de contrariar interesses políticos fortes, é uma proposta de risco. Afinal, o Grande Satã também é parte da retórica de sobrevivência do regime islâmico, e não há certeza de que os iranianos abririam mão não só de buscar a bomba como de patrocinar grupos antiamericanos.
Ontem, os EUA demonstraram que preferem não ousar por esse caminho. Mas podem estar igualmente abandonando a possibilidade de uma pacificação sustentável no Oriente Médio, sobre novas bases.


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