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ANÁLISE
EUA preferem status quo a ousar em negociação
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Ao anunciar que tem o apoio
dos demais membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para a nova resolução contra o Irã, o governo
americano buscou, em primeiro lugar, mostrar quem de fato
manda numa hierarquia do poder global que potências emergentes como Brasil e Turquia
dão como ultrapassada.
Em sua fala ao Senado americano, o tom da secretária Hillary Clinton passou do ceticismo da semana passada à condescendência quase irônica em
relação aos "esforços sinceros"
da iniciativa negociadora de
Brasília e Ancara.
Não surpreende que, ao criticar as declarações de Hillary, o
premiê turco Recep Tayyp Erdogan tenha afirmado que "é
hora de discutir se acreditamos
na supremacia da lei ou na lei
dos supremos e superiores".
A segunda mensagem que o
governo americano enviou -e
que será anotada no Irã e em
todo o Oriente Médio- é a de
que, ao contrário do que vinha
afirmando, negociações não lhe
interessam agora.
Se, há um ano, a Casa Branca
sinalizou que estaria disposta a
reconhecer o direito iraniano
de enriquecer urânio para fins
pacíficos -como prevê o Tratado de Não Proliferação e reafirma o acordo de anteontem em
Teerã-, está claro que essa
abertura saiu da mesa.
EUA e aliados exigem rendição incondicional, repetindo o
argumento de que o Irã manobra para ganhar tempo no esforço de obter a bomba -hipótese possível, mas que ainda
não foi plenamente provada.
Ao mesmo tempo, porém, o
governo americano sabe que
sanções também visam conseguir prazo, este para adiar uma
confrontação imediata e em
grande escala com Teerã, no
momento em que há mais de
250 mil soldados americanos
estacionados nos vizinhos Iraque e Afeganistão.
Se as sanções forem fracas,
seu efeito político será muito
pequeno. Se forem fortes, provocarão um fechamento maior
do regime iraniano.
Nos EUA, muitos já apregoam a inevitabilidade de o Irã
fazer a bomba. Diante disso, dizem, só restaria à superpotência conter o uso da arma, como
foi feito com sucesso com a antiga União Soviética.
O acordo mediado por Brasil
e Turquia tem potencial para
romper esse círculo vicioso e
abrir caminho para que Teerã
recomponha suas relações com
a AIEA (Agência Internacional
de Energia Atômica, ligada à
ONU), permitindo inspeções
abrangentes que ponham fim
às dúvidas sobre seu projeto
atômico.
Mas tal cenário positivo dificilmente será concretizado se
persistirem as desconfianças
mútuas alimentadas por Irã e
EUA desde a Revolução Islâmica, há 31 anos.
O acordo dava, aos americanos, uma chance de retorno à
opção de iniciar um processo
de normalização das relações
com Teerã.
Formuladores importantes
da política externa americana,
como o ex-assessor de Segurança Nacional Zibgniew Brzezinski, estão entre os defensores de um entendimento amplo, pelo qual o status regional
iraniano seria reconhecido e o
país teria garantias de que não
haverá operações secretas de
mudança de regime nem ataques militares.
É claro que, além de contrariar interesses políticos fortes,
é uma proposta de risco. Afinal,
o Grande Satã também é parte
da retórica de sobrevivência do
regime islâmico, e não há certeza de que os iranianos abririam
mão não só de buscar a bomba
como de patrocinar grupos antiamericanos.
Ontem, os EUA demonstraram que preferem não ousar
por esse caminho. Mas podem
estar igualmente abandonando
a possibilidade de uma pacificação sustentável no Oriente
Médio, sobre novas bases.
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