São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2010

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OPINIÃO

Chore por nós, Argentina


O PRESIDENTE LULA DEVERIA TER A MESMA CORAGEM QUE TEVE A PRESIDENTE DA ARGENTINA E COMBATER OS PROMOTORES DO ATRASO E DA INTOLERÂNCIA ALEXANDRE VIDAL PORTO

ESPECIAL PARA A FOLHA

Na semana passada, o Senado da Argentina aprovou lei pela qual casamentos de pessoas do mesmo sexo tornaram-se legais no país.
Na América Latina, Uruguai, Equador, Colômbia e México já haviam adotado lei semelhante. Recentemente, Portugal tornou-se o 7º país europeu a regulamentar casamentos homossexuais e, no mês passado, a premiê da Islândia contraiu matrimônio civil com a parceira.
Parece claro que essa é uma tendência irreversível.
Mas as autoridades brasileiras insistem em continuar de olhos fechados para essa questão. O Congresso se recusa a discutir qualquer direito homossexual. É como se os legisladores decretassem a inexistência dos homossexuais no Brasil.
Acontece que eles existem e estão em toda parte. São homens e mulheres, filhos e irmãos. Têm amigos. Dedicam-se a todas as profissões. Pertencem a todas as classes sociais e grupos étnicos. Pagam impostos, votam e contribuem para o progresso.
Contudo, esses brasileiros vivem à míngua. No que diz respeito à proteção legal, dependem da caridade de algumas instituições. A regulamentação existente é pífia, e os homossexuais só contam com escassa jurisprudência.
Não há proteção contra a violência e a discriminação.
Casais do mesmo sexo têm de recorrer a uma brecha no Código Civil para formalizar as uniões nos termos de sociedade comercial, como se fossem coisas, e não pessoas.
O ódio contra os homossexuais no Brasil é um fato real.
A TV os humilha cotidianamente. Transforma pessoas em piadas e agride milhões de cidadãos comuns, que sofrem calados ao ver sua natureza exposta como risível.
Segundo o Grupo Gay da Bahia, o Brasil é campeão em assassinatos de homossexuais. Ainda assim, as autoridades negam-se a caracterizar a violência homofóbica como crime. É mais fácil fingir que o Brasil é uma democracia sexual, onde há respeito e proteção.
Exatamente como fizeram gerações passadas em relação aos negros.
O Judiciário faz pouco, o Executivo faz muito pouco e o Legislativo faz nada. Nesse mecanismo de autoengano, transfere-se para o Executivo a responsabilidade sobre os direitos das minorias. O Executivo, por sua vez, prefere não mobilizar a bancada porque o tema não é prioritário.
Por que desperdiçar capital político com um bando de gays, lésbicas e transexuais?
No entanto, o avanço desses direitos no Brasil é uma questão de justiça e tem de ser confrontada. Os homossexuais não são piores que ninguém. Não é justo que sejam tratados como inferiores.
O tratamento dado aos homossexuais no Brasil é covarde. Diante da inação do Congresso, o governo tem a responsabilidade. O presidente Lula deveria ter a mesma coragem que teve a presidente da Argentina e combater os promotores do atraso e da intolerância, estejam estes de farda, de terno ou de batina.
Pode-se afirmar que o Brasil está às portas de se tornar desenvolvido, que seremos a quinta economia do mundo e que nunca na história o país esteve tão bem em desenvolvimento social.
Essas afirmações, contudo, são falaciosas. O progresso não se conta apenas pelo tamanho e pujança da economia. Conta-se também pelo nível das liberdades individuais e pelo respeito à dignidade de seus cidadãos.
Para um homossexual, tanto faz viver no Brasil ou no país mais subdesenvolvido do mundo. O país continuará a envergonhar seus cidadãos enquanto as minorias continuarem no abandono.


Diplomata de carreira, ALEXANDRE VIDAL PORTO é mestre em direito por Harvard e autor de "Matias na Cidade" (Record)


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