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Chipre trava adesão da Turquia à UE
Bloco europeu ameaça congelar negociação caso Ancara não dê acesso a navios cipriotas à parte da ilha sob seu controle militar
Solução de impasse tem de ocorrer até 14 de dezembro, mas divisão histórica entre gregos e turcos e reação emocional barram avanços
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DE LONDRES
Celebrada nas lendas como
terra natal da deusa do amor
Afrodite, na vida real a ilha de
Chipre é cenário de uma inimizade histórica entre gregos e
turcos que representa hoje o
principal entrave para a adesão
da Turquia à União Européia.
Na última segunda-feira,
chanceleres dos 25 países do
bloco ameaçaram congelar as
negociações de entrada da Turquia caso o país não libere o
acesso de embarcações do Chipre à parte norte da ilha, sob
domínio militar turco.
A ameaça se segue ao "Relatório de Progresso da Turquia",
divulgado há duas semanas, no
qual a Comissão Européia reiterou a necessidade de que o
impasse na ilha seja resolvido
até 14 de dezembro, quando os
líderes do bloco europeu se
reúnem para debater, entre outros temas, o acesso dos turcos.
"A comissão está dando mais
tempo para a diplomacia, para
que a Presidência da UE encontre uma solução intermediária
que satisfaça os dois lados", explicou, em entrevista à Folha, o
advogado Fadi Hakura, especialista em Turquia da Chatham House, de Londres.
Mas a questão parece longe
de uma solução. Ex-território
otomano e ex-colônia britânica, a ilha de Chipre foi divida
em duas regiões em 1974, após
um golpe militar grego.
Os gregos cipriotas ocupam
os dois terços sul da ilha, a parte que é reconhecida internacionalmente como República
de Chipre. Os turcos habitam o
norte, que foi isolado comercialmente em 1994 por decisão
da Corte Européia de Justiça.
Em 2002, o secretário-geral
da ONU, Kofi Annan, elaborou
um plano de paz que previa
uma federação constituída pelas duas partes, com Presidência rotativa. O plano foi levado
a plebiscito, sendo aprovado
pelos cipriotas turcos, mas rejeitado pelos gregos.
"Na época, a UE prometeu à
Turquia que, se o país apoiasse
o plano de paz, o bloco encerraria o isolamento econômico da
parte norte da ilha. Hoje, os
turcos condicionam o cumprimento dessa promessa à abertura de seus portos às embarcações cipriotas", diz Hakura.
Reação emocional
Segundo o analista, a Turquia
acredita já ter feito muitas concessões na disputa cipriota sem
contrapartida da UE, e a proximidade das eleições presidenciais e parlamentares no ano
que vem torna improvável que
o governo turco ceda mais.
O comportamento de diversos membros da UE -como
França, Alemanha e o próprio
Chipre-, que são francamente
contra os turcos, também colabora para o atual impasse.
"A reação turca é mais emocional do que estratégica. A população está desapontada e irritada com a atmosfera negativa criada por alguns países europeus em relação ao acesso da
Turquia ao bloco."
Segundo Hakura, a entrada
do Chipre na UE foi particularmente nociva às negociações, já
que o país passou a ter direito a
veto sobre a candidatura turca.
"Muitos chefes de Estado da
UE já admitem, em privado,
que foi um equívoco admitir o
Chipre no bloco antes de solucionar o problema da divisão."
O analista diz que o governo
grego usa a candidatura da Turquia para "extrair concessões
graduais do país, em vez de negociar um acordo de paz completo". Mas adverte que a posição dos gregos cipriotas não é
tão forte quanto parece.
"A negociação de acesso é seu
único trunfo para negociar com
a Turquia. Se o processo fracassar, os gregos não têm outra
saída. Eles sabem disso e, apesar da retórica, suas ações são
balanceadas."
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