São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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Chipre trava adesão da Turquia à UE

Bloco europeu ameaça congelar negociação caso Ancara não dê acesso a navios cipriotas à parte da ilha sob seu controle militar

Solução de impasse tem de ocorrer até 14 de dezembro, mas divisão histórica entre gregos e turcos e reação emocional barram avanços

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DE LONDRES

Celebrada nas lendas como terra natal da deusa do amor Afrodite, na vida real a ilha de Chipre é cenário de uma inimizade histórica entre gregos e turcos que representa hoje o principal entrave para a adesão da Turquia à União Européia.
Na última segunda-feira, chanceleres dos 25 países do bloco ameaçaram congelar as negociações de entrada da Turquia caso o país não libere o acesso de embarcações do Chipre à parte norte da ilha, sob domínio militar turco.
A ameaça se segue ao "Relatório de Progresso da Turquia", divulgado há duas semanas, no qual a Comissão Européia reiterou a necessidade de que o impasse na ilha seja resolvido até 14 de dezembro, quando os líderes do bloco europeu se reúnem para debater, entre outros temas, o acesso dos turcos.
"A comissão está dando mais tempo para a diplomacia, para que a Presidência da UE encontre uma solução intermediária que satisfaça os dois lados", explicou, em entrevista à Folha, o advogado Fadi Hakura, especialista em Turquia da Chatham House, de Londres.
Mas a questão parece longe de uma solução. Ex-território otomano e ex-colônia britânica, a ilha de Chipre foi divida em duas regiões em 1974, após um golpe militar grego.
Os gregos cipriotas ocupam os dois terços sul da ilha, a parte que é reconhecida internacionalmente como República de Chipre. Os turcos habitam o norte, que foi isolado comercialmente em 1994 por decisão da Corte Européia de Justiça.
Em 2002, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, elaborou um plano de paz que previa uma federação constituída pelas duas partes, com Presidência rotativa. O plano foi levado a plebiscito, sendo aprovado pelos cipriotas turcos, mas rejeitado pelos gregos.
"Na época, a UE prometeu à Turquia que, se o país apoiasse o plano de paz, o bloco encerraria o isolamento econômico da parte norte da ilha. Hoje, os turcos condicionam o cumprimento dessa promessa à abertura de seus portos às embarcações cipriotas", diz Hakura.

Reação emocional
Segundo o analista, a Turquia acredita já ter feito muitas concessões na disputa cipriota sem contrapartida da UE, e a proximidade das eleições presidenciais e parlamentares no ano que vem torna improvável que o governo turco ceda mais.
O comportamento de diversos membros da UE -como França, Alemanha e o próprio Chipre-, que são francamente contra os turcos, também colabora para o atual impasse.
"A reação turca é mais emocional do que estratégica. A população está desapontada e irritada com a atmosfera negativa criada por alguns países europeus em relação ao acesso da Turquia ao bloco."
Segundo Hakura, a entrada do Chipre na UE foi particularmente nociva às negociações, já que o país passou a ter direito a veto sobre a candidatura turca.
"Muitos chefes de Estado da UE já admitem, em privado, que foi um equívoco admitir o Chipre no bloco antes de solucionar o problema da divisão."
O analista diz que o governo grego usa a candidatura da Turquia para "extrair concessões graduais do país, em vez de negociar um acordo de paz completo". Mas adverte que a posição dos gregos cipriotas não é tão forte quanto parece.
"A negociação de acesso é seu único trunfo para negociar com a Turquia. Se o processo fracassar, os gregos não têm outra saída. Eles sabem disso e, apesar da retórica, suas ações são balanceadas."


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