São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

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Paquistão quer rever "guerra ao terror"

Após vencer eleições, oposição planeja governo de coalizão e revisão das bases da aliança antiterror com os Estados Unidos

Em pleito com abstenção muito alta, oposicionistas conquistam a maioria parlamentar; Musharraf perde e islâmicos também

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD

Um dia depois da estrondosa vitória da oposição nas eleições parlamentares do Paquistão, o líder do principal partido vencedor sinalizou que planeja um governo de coalizão e disse que o conceito de "guerra ao terror" precisa ser reformulado e deixar de significar ações determinadas pelos EUA.
Foi a primeira manifestação de Asif Ali Zardari, o viúvo de Benazir Bhutto e herdeiro dela na chefia do PPP (Partido do Povo Paquistanês) até que o filho Bilawal acabe os estudos, sobre o ponto central da geopolítica da região: a relação entre Washington e Islamabad, muito próxima desde o 11 de Setembro e que é um dos motivos da alta impopularidade do presidente Pervez Musharraf, tendo servido de apoio para muitas de suas medidas ditatoriais.
Em uma confusa entrevista em Islamabad, no começo de uma noite fria, Zardari disse que até aqui as ações contra extremistas no Paquistão não são políticas do país, mas dos EUA. "É preciso redefinir a guerra ao terror", disse. As ações são impopulares, embora isso não tenha se revertido em apoio a partidos islâmicos: eles foram varridos da Assembléia, com apenas 3 deputados eleitos.
O PPP ganhou 87 cadeiras, contra 66 da PML-N (do ex-premiê Nawaz Sharif), 38 da PML-Q (base de Musharraf), 19 do MQM (partido baseado em Karachi), 10 da ANP (sigla pashtu da Fronteira Noroeste), 3 do MMA (islâmicos) e 32 de outras agremiações. Ainda falta a definição de 12 cadeiras.
A violência na eleição deixou 18 mortos e 150 feridos, mas não impediu o pleito, que teve segundo a Comissão Eleitoral 45,7% de presença entre os 80 milhões de eleitores.
Musharraf afirmou pela primeira vez por meio do porta-voz que não pretende renunciar -o que, para alguém que governou um regime militar por oito anos e deu um autogolpe, é um sinal inequívoco de que a pressão está sendo sentida. Com exceção de um, todos seus principais aliados partidários perderam suas vagas.
Antes, segundo senadores americanos que o encontraram, Musharraf disse que aceitaria a decisão do Parlamento na formação do novo governo, um processo de semanas.
O que ninguém sabe é se isso é verdade, porque o PPP poderia negociar tanto com a PML-Q (facção de Musharraf na Liga Muçulmana do Paquistão) quanto com o segundo maior partido da oposição, a PML-N (facção do ex-premiê Sharif, derrubado em 1999 pelo mesmo Musharraf).
Zardari disse ontem que irá se encontrar com Sharif para discutir a aliança e, pela primeira vez também, disse que defende a libertação dos sete juízes da Suprema Corte que estão em prisão domiciliar desde o golpe de novembro. Sharif afirmou que "todas as medidas do ditador serão desfeitas".
"Isso é uma preparação para a ditadura dos advogados", disse o candidato derrotado pela PML-N Sherafghan Niazi à Folha. Ele lembra que o presidente da Associação dos Advogados da Suprema Corte, Aizaz Ahsan, é filiado ao PPP, e que ele poderia ser indicado primeiro-ministro, em eleições complementares.
Ontem Ahsan disse que a greve dos advogados irá continuar até 9 de março, prazo dado por ele para a soltura dos juízes.
A Assembléia Nacional tem 342 lugares, 272 disputadas no voto. Há uma peculiaridade: um candidato pode arrebanhar até três assentos, em distritos eleitorais diferentes. Assim, os dois que sobram disputam novamente em alguns meses -isso poderia beneficiar Ahsan e, caso consiga se livrar da condenação por seqüestro e desvio de dinheiro, Sharif poderia se eleger deputado e virar premiê de novo em um acordo.


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