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Paquistão quer rever "guerra ao terror"
Após vencer eleições, oposição planeja governo de coalizão e revisão das bases da aliança antiterror com os Estados Unidos
Em pleito com abstenção muito alta, oposicionistas conquistam a maioria parlamentar; Musharraf perde e islâmicos também
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD
Um dia depois da estrondosa
vitória da oposição nas eleições
parlamentares do Paquistão, o
líder do principal partido vencedor sinalizou que planeja um
governo de coalizão e disse que
o conceito de "guerra ao terror"
precisa ser reformulado e deixar de significar ações determinadas pelos EUA.
Foi a primeira manifestação
de Asif Ali Zardari, o viúvo de
Benazir Bhutto e herdeiro dela
na chefia do PPP (Partido do
Povo Paquistanês) até que o filho Bilawal acabe os estudos,
sobre o ponto central da geopolítica da região: a relação entre
Washington e Islamabad, muito próxima desde o 11 de Setembro e que é um dos motivos
da alta impopularidade do presidente Pervez Musharraf, tendo servido de apoio para muitas
de suas medidas ditatoriais.
Em uma confusa entrevista
em Islamabad, no começo de
uma noite fria, Zardari disse
que até aqui as ações contra extremistas no Paquistão não são
políticas do país, mas dos EUA.
"É preciso redefinir a guerra ao
terror", disse. As ações são impopulares, embora isso não tenha se revertido em apoio a
partidos islâmicos: eles foram
varridos da Assembléia, com
apenas 3 deputados eleitos.
O PPP ganhou 87 cadeiras,
contra 66 da PML-N (do ex-premiê Nawaz Sharif), 38 da
PML-Q (base de Musharraf), 19
do MQM (partido baseado em
Karachi), 10 da ANP (sigla
pashtu da Fronteira Noroeste),
3 do MMA (islâmicos) e 32 de
outras agremiações. Ainda falta
a definição de 12 cadeiras.
A violência na eleição deixou
18 mortos e 150 feridos, mas
não impediu o pleito, que teve
segundo a Comissão Eleitoral
45,7% de presença entre os 80
milhões de eleitores.
Musharraf afirmou pela primeira vez por meio do porta-voz que não pretende renunciar -o que, para alguém que
governou um regime militar
por oito anos e deu um autogolpe, é um sinal inequívoco de
que a pressão está sendo sentida. Com exceção de um, todos
seus principais aliados partidários perderam suas vagas.
Antes, segundo senadores
americanos que o encontraram, Musharraf disse que aceitaria a decisão do Parlamento
na formação do novo governo,
um processo de semanas.
O que ninguém sabe é se isso
é verdade, porque o PPP poderia negociar tanto com a PML-Q (facção de Musharraf na Liga
Muçulmana do Paquistão)
quanto com o segundo maior
partido da oposição, a PML-N
(facção do ex-premiê Sharif,
derrubado em 1999 pelo mesmo Musharraf).
Zardari disse ontem que irá
se encontrar com Sharif para
discutir a aliança e, pela primeira vez também, disse que
defende a libertação dos sete
juízes da Suprema Corte que
estão em prisão domiciliar desde o golpe de novembro. Sharif
afirmou que "todas as medidas
do ditador serão desfeitas".
"Isso é uma preparação para
a ditadura dos advogados", disse o candidato derrotado pela
PML-N Sherafghan Niazi à Folha. Ele lembra que o presidente da Associação dos Advogados da Suprema Corte, Aizaz
Ahsan, é filiado ao PPP, e que
ele poderia ser indicado primeiro-ministro, em eleições
complementares.
Ontem Ahsan disse que a
greve dos advogados irá continuar até 9 de março, prazo dado
por ele para a soltura dos juízes.
A Assembléia Nacional tem
342 lugares, 272 disputadas no
voto. Há uma peculiaridade:
um candidato pode arrebanhar
até três assentos, em distritos
eleitorais diferentes. Assim, os
dois que sobram disputam novamente em alguns meses -isso poderia beneficiar Ahsan e,
caso consiga se livrar da condenação por seqüestro e desvio de
dinheiro, Sharif poderia se eleger deputado e virar premiê de
novo em um acordo.
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