São Paulo, sábado, 20 de junho de 2009

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ANÁLISE

Com regime sob pressão, país vive dias decisivos

DO "FINANCIAL TIMES"

À medida que avança a crise em torno do resultado contestado da eleição presidencial, apresentando o maior desafio à República Islâmica do Irã desde sua criação, em 1979, as esperanças de avanço em direção a um regime mais reformista e tolerante estão depositadas nas centenas de milhares de pessoas que têm saído às ruas. O resultado da eleição de oito dias atrás foi visto como uma afronta pelos eleitores que votaram no candidato reformista Mir Hossein Mousavi. "Eles nos tomaram por tolos", é uma frase repetida com frequência.
Para uma população jovem e instruída, parece que uma muralha de medo se rompeu, libertando as pessoas de anos de frustração acumulada. Gary Sick, especialista no Irã na Universidade Columbia, diz que o país entrou "numa fase inteiramente nova de sua história pós-revolução". A característica singular que sempre o distinguiu de outros regimes autoritários do Oriente Médio, diz, "era o respeito pela voz do povo, mesmo quando essa voz dizia coisas que boa parte da liderança não queria ouvir".
Mas a mudança será tumultuosa. O regime não tem apetite pela conciliação. O líder supremo, Ali Khamenei, deixou claro que o resultado da eleição não será mudado e que os protestos não serão tolerados. As dimensões reais do apoio a Mousavi são impossíveis de avaliar, e Ahmadinejad conserva popularidade -especialmente entre os radicais religiosos, os pobres e a população rural. Mas as divisões na sociedade que foram expostas nesta semana não irão desaparecer.
Alguns comentaristas veem a eleição como golpe palaciano engendrado pela linha dura do regime, representada pelo establishment militar que apoia Ahmadinejad. O objetivo, dizem, foi destruir o movimento reformista e controlar qualquer abertura aos EUA. É difícil avaliar se a crise vai desencadear um movimento de protesto mais amplo que possa abalar mais profundamente a estrutura de poder, ou se levará à consolidação total do poder nas mãos da linha dura.
Mousavi tem sido surpreendentemente ousado em suas declarações. Até agora ele parece ter se deixado liderar pelas ruas, que vêm se mobilizando para protestos mesmo quando ele divulga um comunicado adiando uma manifestação. Parte da motivação dos protestos não é tanto apoio a ele quanto rejeição a Ahmadinejad, visto por setores da classe média instruída como culpado pela destruição das bases da economia iraniana e da imagem do pais no exterior. O regime vem trabalhando arduamente para assegurar que as manifestações percam força, à medida que cresce o medo de violência e retaliação.
O discurso de ontem do líder supremo, avisando à população que deve parar com os protestos e dizendo que qualquer distúrbio doméstico atende aos interesses do inimigo, foi a iniciativa mais dramática para silenciar as ruas.

Custo da repressão
Mas analistas e diplomatas dizem que, diferentemente dos distúrbios de 1999, a última crise séria no Irã que envolveu um levante estudantil, a aplicação de uma repressão mais dura hoje carregará um custo muito mais alto, já que terá que ser voltada contra muitos segmentos da população, todos os quais têm parentes nas forças de segurança.
A posição de Mousavi, dividido entre as reivindicações de seus partidários e as consequências da repressão ampla, será crucial. "Mousavi acabará se posicionando ao lado do regime e decidindo pôr fim a isto, ou vai seguir seus partidários e ficar do lado deles? Vai se tornar mais radical e desafiar o regime ainda mais?", pergunta um diplomata ocidental.
O medo em Teerã é que as ações do regime transformem os manifestantes pacíficos em uma oposição mais radicalizada que queira o fim do próprio sistema islâmico. Com a sociedade dividida e o regime sob pressão, o país pode enfrentar um período de intranquilidade prolongado. A disputa em torno da eleição pode ser um mau augúrio para os governos ocidentais que esperam conseguir frear o programa nuclear iraniano ou pode pelo menos adiar as intenções americanas de iniciar um diálogo.
"O regime sofreu um grande golpe", observa o diplomata ocidental. "Mas a linha dura pensa que qualquer concessão representaria o começo de seu fim." (ROULA KHALAF, NAJMEH BOZORGMEHR E ANNA FIFIELD)

Tradução de CLARA ALLAIN



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