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"Aqui não há lei", diz professor de Gaza
MICHEL GAWENDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
DA CIDADE DE GAZA
O início da rebelião interna palestina na faixa de Gaza contra a
corrupção no governo de Iasser
Arafat ameaça afundar a região
-pobre e sem infra-estrutura-
no caos total.
A não ser por um quartel da polícia cercado por muro alto e arame farpado, pela presença de alguns policiais com uniformes
puídos tentando controlar o tráfego caótico e dos prédios de instituições de saúde e ajuda financiadas por grupos internacionais,
não há outros sinais de governo
na Cidade de Gaza, capital do território de 360 km2 onde vivem 1,3
milhão de palestinos.
"Aqui não existe lei nem autoridade. Não há infra-estrutura de
luz e água. Vivemos como mendigos, de doações internacionais",
disse à Folha Awni Abu Saman,
professor de matemática da Universidade Al Azhar, em seu gabinete no segundo andar do prédio
de ciências da instituição, no centro da cidade.
As dependências da universidade refletem as disputas de poder
em Gaza.
Em meio aos estudantes que esperavam para fazer os exames de
final de semestre -homens de
jeans e camisa, e mulheres com o
véu tradicional muçulmano cobrindo a cabeça e o corpo-, bandeiras do grupo jovem do Fatah,
organização política de Arafat,
tentam mostrar que o território
está sob controle do presidente
palestino.
A sala do professor Sami Muslih, chefe do setor de pesquisa
científica da universidade, também está decorada com uma foto
de Arafat, considerado o patrono
da instituição.
Mas, nos quadros de avisos nos
corredores internos da universidade, há diversos adesivos e cartazes de outras organizações políticas e terroristas. Em uma das classes, uma foto de um jovem enfeitada com uma coroa de flores
mostra o lugar onde ele costumava sentar-se antes de morrer na
ação aérea israelense que eliminou o líder do grupo terrorista
Hamas, o xeque Ahmed Yassin.
Imagens do xeque também aparecem espalhadas em fotos afixadas em muros na periferia, em
cartazes no centro comercial da
Cidade de Gaza e em barracos de
madeira que vendem bebidas na
praia central.
Mas, a 50 metros dali, dezenas
de mulheres se divertiam na areia,
cobertas da cabeça aos pés, em
um acampamento de verão cercado por bandeiras palestinas e do
grupo terrorista Brigadas dos
Mártires de Al Aqsa.
A influência do Hamas é maior
na periferia. Bandeiras do grupo e
cartazes de pelo menos três metros de altura com pinturas de integrantes da organização mortos
em atentados em Israel são comuns, em meio a casas de concreto sem acabamento, esgoto a céu
aberto, crianças sujas empinando
pipas e charretes puxadas por jumentos em ruas esburacadas.
A única loja turística da Cidade
de Gaza vende broches e chaveiros com os símbolos de alguns
grupos que disputam o poder em
Gaza, como Hamas, Fatah, Jihad
Islâmico, fotos de garotos jogando pedras contra tanques, bonecos imitando Arafat e bandeiras
de países com organizações de
ajuda que trabalham na faixa de
Gaza.
Futuro incerto
Apesar do caos administrativo,
os moradores da Cidade de Gaza
ouvidos pela reportagem disseram que não há criminalidade na
região, graças, segundo eles, ao
sistema familiar muçulmano conservador.
Só que o fato de não haver crime
não garante a segurança nem as
perspectivas de futuro para os jovens. A estudante Rasha, 18, está
no primeiro ano do curso de química e disse que vai tentar procurar trabalho na Arábia Saudita
quando terminar os estudos. "Dificilmente vou conseguir um emprego por aqui."
Dias antes do início dos protestos, ao ser questionado se havia
algum perigo de caminhar da universidade até a praia, a cerca de
400 metros, o professor Abu Saman disse: "Perigo não tem. Mas
também não dá para garantir que
seja seguro".
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