São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

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"Aqui não há lei", diz professor de Gaza

MICHEL GAWENDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
DA CIDADE DE GAZA

O início da rebelião interna palestina na faixa de Gaza contra a corrupção no governo de Iasser Arafat ameaça afundar a região -pobre e sem infra-estrutura- no caos total.
A não ser por um quartel da polícia cercado por muro alto e arame farpado, pela presença de alguns policiais com uniformes puídos tentando controlar o tráfego caótico e dos prédios de instituições de saúde e ajuda financiadas por grupos internacionais, não há outros sinais de governo na Cidade de Gaza, capital do território de 360 km2 onde vivem 1,3 milhão de palestinos.
"Aqui não existe lei nem autoridade. Não há infra-estrutura de luz e água. Vivemos como mendigos, de doações internacionais", disse à Folha Awni Abu Saman, professor de matemática da Universidade Al Azhar, em seu gabinete no segundo andar do prédio de ciências da instituição, no centro da cidade.
As dependências da universidade refletem as disputas de poder em Gaza.
Em meio aos estudantes que esperavam para fazer os exames de final de semestre -homens de jeans e camisa, e mulheres com o véu tradicional muçulmano cobrindo a cabeça e o corpo-, bandeiras do grupo jovem do Fatah, organização política de Arafat, tentam mostrar que o território está sob controle do presidente palestino.
A sala do professor Sami Muslih, chefe do setor de pesquisa científica da universidade, também está decorada com uma foto de Arafat, considerado o patrono da instituição.
Mas, nos quadros de avisos nos corredores internos da universidade, há diversos adesivos e cartazes de outras organizações políticas e terroristas. Em uma das classes, uma foto de um jovem enfeitada com uma coroa de flores mostra o lugar onde ele costumava sentar-se antes de morrer na ação aérea israelense que eliminou o líder do grupo terrorista Hamas, o xeque Ahmed Yassin.
Imagens do xeque também aparecem espalhadas em fotos afixadas em muros na periferia, em cartazes no centro comercial da Cidade de Gaza e em barracos de madeira que vendem bebidas na praia central.
Mas, a 50 metros dali, dezenas de mulheres se divertiam na areia, cobertas da cabeça aos pés, em um acampamento de verão cercado por bandeiras palestinas e do grupo terrorista Brigadas dos Mártires de Al Aqsa.
A influência do Hamas é maior na periferia. Bandeiras do grupo e cartazes de pelo menos três metros de altura com pinturas de integrantes da organização mortos em atentados em Israel são comuns, em meio a casas de concreto sem acabamento, esgoto a céu aberto, crianças sujas empinando pipas e charretes puxadas por jumentos em ruas esburacadas.
A única loja turística da Cidade de Gaza vende broches e chaveiros com os símbolos de alguns grupos que disputam o poder em Gaza, como Hamas, Fatah, Jihad Islâmico, fotos de garotos jogando pedras contra tanques, bonecos imitando Arafat e bandeiras de países com organizações de ajuda que trabalham na faixa de Gaza.

Futuro incerto
Apesar do caos administrativo, os moradores da Cidade de Gaza ouvidos pela reportagem disseram que não há criminalidade na região, graças, segundo eles, ao sistema familiar muçulmano conservador.
Só que o fato de não haver crime não garante a segurança nem as perspectivas de futuro para os jovens. A estudante Rasha, 18, está no primeiro ano do curso de química e disse que vai tentar procurar trabalho na Arábia Saudita quando terminar os estudos. "Dificilmente vou conseguir um emprego por aqui."
Dias antes do início dos protestos, ao ser questionado se havia algum perigo de caminhar da universidade até a praia, a cerca de 400 metros, o professor Abu Saman disse: "Perigo não tem. Mas também não dá para garantir que seja seguro".


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