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Com Chávez, iraniano quer romper isolamento
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Entre quarta e sexta-feira, o
site da Presidência do Irã trazia
a seguinte manchete: "Incrementar as relações com a América Latina é prioridade da diplomacia iraniana".
O Irã tem outras pulgas para
se coçar: sua ingerência no Iraque, o temor vindo de seu projeto nuclear ou o anti-semitismo de seu presidente, Mahmoud Ahmadinejad. Mas a
prioridade latino-americana
foi expressa pelo próprio Ahmadinejad, que na terça voltou
de sua segunda viagem à Venezuela, em roteiro que incluiu
Nicarágua e Equador.
Uma análise de suas declarações sobre política externa e de
sua agenda de viagens desde a
posse, em agosto de 2005, mostra algo trivial: o governante
que propõe "varrer Israel do
mapa" e que enriquece urânio
de forma suspeita procura, com
a ajuda do venezuelano Hugo
Chávez, romper o cordão de
isolamento a seu regime pela
comunidade internacional.
Até hoje Ahmadinejad fez 20
viagens ao exterior. Duas delas
à ONU e 12 a países muçulmanos, incluindo Senegal e Gâmbia. A América Latina, alheia
aos interesses estratégicos do
Irã, o recebeu cinco vezes.
Os governos do Irã e da Venezuela já assinaram 131 contratos, convênios e declarações de
intenção. Os iranianos estão
construindo uma fábrica de automóveis para os venezuelanos. Os dois países querem
montar um mecanismo financeiro "alternativo" ao Fundo
Monetário Internacional.
Combinaram a criação de um
fundo de investimentos de US$
2 bilhões que também poderá
beneficiar outros países que "se
enquadrem na oposição dos
povos da região ao sistema hegemônico", eufemismo óbvio
para designar os EUA.
O problema na intimidade
desse bilateralismo é o curto-circuito que ele traz. A retórica
supostamente socialista de
Chávez não combina com as
posições racistas e de extrema
direita de seu colega iraniano,
um integrista do obscurantismo xiita que proíbe por "indecência" musicas ocidentais na
TV pública e que reprimia mulheres que saíssem às ruas sem
cobrir integralmente o corpo.
Ahmadinejad ainda não esteve na Bolívia, mas é só uma
questão de tempo. Na posse do
presidente equatoriano Rafael
Correa, ofereceu ao presidente
Evo Morales instalações de laticínios e tecnologia para a exploração de gás e petróleo. Na
Nicarágua, durante a posse de
Daniel Ortega, prometeu cooperação "em 25 setores".
O Irã é o quarto exportador
mundial de petróleo, com US$
48 bilhões em 2005. É amplamente superavitário em suas
contas externas. Pode "comprar" apoios latino-americanos. Mas é também um país
com sérios problemas internos,
inflação e desemprego em alta e
40% da população abaixo da linha de pobreza (2002).
Cordão de isolamento
O comércio do Irã com a
América Latina é insignificante: US$ 2 bilhões. Em 2005, a
balança comercial iraniana
movimentou US$ 106 bilhões.
O Japão é, de longe, o primeiro cliente da República islâmica. Segundo o FMI, comprava
em 2005 21,4% de todas as suas
exportações.
Mas esse peso não tem tradução diplomática. Ahmadinejad
não foi convidado por Tóquio.
O site da Presidência iraniana
traz 155 declarações presidenciais sobre política externa.
Mutismo sobre o Japão.
A mais que provável razão: os
japoneses respeitam o cordão
de isolamento a Ahmadinejad.
O presidente iraniano foi recebido em Xangai em janeiro
de 2006. Mas os chineses votaram no mês passado as sanções
do Conselho de Segurança porque o Irã não interrompeu o
enriquecimento de urânio.
Ahmadinejad também se entrevistou com o presidente russo, Vladimir Putin. E eis que os
russos também votaram as sanções, embora mais amenas que
as desejadas pelos EUA.
O presidente tampouco conseguiu visitar, desde sua posse,
algum país do bloco europeu.
Se chegar à Alemanha ou à
França, pode ser preso. Nos
dois países é crime declarar que
o Holocausto é um "mito". O
Reino Unido também fechou a
torneira comercial com o Irã.
Dá para entender, então, essa
espécie de asfixia diplomática
que o presidente Ahmadinejad
vem sofrendo. E dá também para entender a razão pela qual
Chávez -e possivelmente Morales- seja seu providencial
balão de oxigênio. Em definitivo, as relações com esses latino-americanos se tornaram
para Teerã uma "prioridade".
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