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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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ANÁLISE

"Choque e pavor" ainda são pressão e propaganda

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, prometeu um ataque avassalador contra o Iraque, algo nunca antes visto e que criaria "choque e pavor". Por enquanto, a voltagem do choque continua fraca, e há vários motivos possíveis para isso.
A chance de acabar com a nova guerra antes mesmo de ela começar, "decapitando" Saddam Hussein e a liderança iraquiana, era boa demais para ser perdida, ainda mais depois da frustração em fazer o mesmo com Osama bin Laden.
Em uma ditadura na qual todos desconfiam de todos e Saddam criou círculos centrados nele de diferentes graus de lealdade, um ataque a ele faria o sistema desmoronar, acreditam os EUA.
A decisão foi portanto de atacar aquilo que no jargão militar se chama "alvo de oportunidade" -uma chance que poderia não se repetir depois.
O mesmo ocorria no Afeganistão. Aviões patrulhavam sem alvos específicos, esperando a ordem de ataque a alvos que aparecessem de repente e fossem identificados pelo pessoal em terra.
Não deslanchar o "choque e pavor" logo de cara também tem um importante papel na guerra psicológica. Os anglo-americanos estão brincando de gato e rato com Saddam Hussein.
A liderança iraquiana vive agora sobressaltada, esperando o míssil entrar pela janela (ou, mais provavelmente, pelo teto do bunker).
A surpresa é um dos princípios fundamentais das guerras, e uma guerra com hora marcada vai contra ele. Os militares sempre procuram criar alguma forma de surpresa, em meio às inúmeras especulações nos meios de comunicação sobre o que pode ser feito.
Um dos editores da revista especializada em assuntos militares "Jane's Defence Weekly", Robert Karniol, comentou à agência Reuters que a forma inicial do ataque o lembrou justamente do uso da propaganda na guerra.
"Toda a discussão que nós ouvimos vinda de Washington, e então a mídia enfocando começos com ataques noturnos e campanhas maciças de bombardeio, quantidades extraordinárias de explosivos em um curto período de tempo no que eles chamam de enfoque do "choque e pavor". Tudo isso nos diz o quanto somos vulneráveis à manipulação", afirmou Karniol.
Nada impede Rumsfeld e seus estrategistas de deslancharem essa chuva de bombas a qualquer momento. O poderio e a tecnologia existem para isso.
Mas, também por motivos de propaganda, pode não ser interessante fazê-lo agora. Imagens de civis mortos e feridos, o chamado "dano colateral", não pegariam bem no momento em que muitos se opõe à guerra.
As operações terrestres começaram com o objetivo de tomar Basra e o pequeno litoral iraquiano. Isso permitiria outro golpe de propaganda, com carregamentos de ajuda humanitária chegando rapidamente ao país.
A tradicional incompetência militar iraquiana foi demonstrada na Guerra do Yom Kippur em 1973, quando uma unidade expedicionária foi trucidada pelos israelenses com uma facilidade quase obscena. Também fizeram feio de 1980 a 1988, na guerra com o Irã, quando tinham chance de ganhar devido ao enfraquecimento dos iranianos pós-Revolução Islâmica de 1979. E, de modo espetacular, durante a Guerra do Golfo de 1991.
Os primeiros sinais do que pode vir a ser uma nova debandada e derrota já estão surgindo. Começaram as rendições e as primeiras perdas em combate.
Uma patrulha de dois veículos de combate de infantaria LAV-25 dos marines americanos destruíram dois blindados iraquianos perto da fronteira Iraque-Kuait. A artilharia dos marines também pulverizou um posto de observação iraquiano. Tudo isso, aparentemente, com facilidade.


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