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ANÁLISE
"Choque e pavor" ainda são pressão e propaganda
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O secretário da Defesa americano, Donald Rumsfeld, prometeu
um ataque avassalador contra o
Iraque, algo nunca antes visto e
que criaria "choque e pavor". Por
enquanto, a voltagem do choque
continua fraca, e há vários motivos possíveis para isso.
A chance de acabar com a nova
guerra antes mesmo de ela começar, "decapitando" Saddam Hussein e a liderança iraquiana, era
boa demais para ser perdida, ainda mais depois da frustração em
fazer o mesmo com Osama bin
Laden.
Em uma ditadura na qual todos
desconfiam de todos e Saddam
criou círculos centrados nele de
diferentes graus de lealdade, um
ataque a ele faria o sistema desmoronar, acreditam os EUA.
A decisão foi portanto de atacar
aquilo que no jargão militar se
chama "alvo de oportunidade"
-uma chance que poderia não se
repetir depois.
O mesmo ocorria no Afeganistão. Aviões patrulhavam sem alvos específicos, esperando a ordem de ataque a alvos que aparecessem de repente e fossem identificados pelo pessoal em terra.
Não deslanchar o "choque e pavor" logo de cara também tem um
importante papel na guerra psicológica. Os anglo-americanos estão
brincando de gato e rato com Saddam Hussein.
A liderança iraquiana vive agora
sobressaltada, esperando o míssil
entrar pela janela (ou, mais provavelmente, pelo teto do bunker).
A surpresa é um dos princípios
fundamentais das guerras, e uma
guerra com hora marcada vai
contra ele. Os militares sempre
procuram criar alguma forma de
surpresa, em meio às inúmeras
especulações nos meios de comunicação sobre o que pode ser feito.
Um dos editores da revista especializada em assuntos militares
"Jane's Defence Weekly", Robert
Karniol, comentou à agência Reuters que a forma inicial do ataque
o lembrou justamente do uso da
propaganda na guerra.
"Toda a discussão que nós ouvimos vinda de Washington, e então a mídia enfocando começos
com ataques noturnos e campanhas maciças de bombardeio,
quantidades extraordinárias de
explosivos em um curto período
de tempo no que eles chamam de
enfoque do "choque e pavor". Tudo isso nos diz o quanto somos
vulneráveis à manipulação", afirmou Karniol.
Nada impede Rumsfeld e seus
estrategistas de deslancharem essa chuva de bombas a qualquer
momento. O poderio e a tecnologia existem para isso.
Mas, também por motivos de
propaganda, pode não ser interessante fazê-lo agora. Imagens
de civis mortos e feridos, o chamado "dano colateral", não pegariam bem no momento em que
muitos se opõe à guerra.
As operações terrestres começaram com o objetivo de tomar Basra e o pequeno litoral iraquiano.
Isso permitiria outro golpe de
propaganda, com carregamentos
de ajuda humanitária chegando
rapidamente ao país.
A tradicional incompetência
militar iraquiana foi demonstrada
na Guerra do Yom Kippur em
1973, quando uma unidade expedicionária foi trucidada pelos israelenses com uma facilidade
quase obscena. Também fizeram
feio de 1980 a 1988, na guerra com
o Irã, quando tinham chance de
ganhar devido ao enfraquecimento dos iranianos pós-Revolução
Islâmica de 1979. E, de modo espetacular, durante a Guerra do
Golfo de 1991.
Os primeiros sinais do que pode
vir a ser uma nova debandada e
derrota já estão surgindo. Começaram as rendições e as primeiras
perdas em combate.
Uma patrulha de dois veículos
de combate de infantaria LAV-25
dos marines americanos destruíram dois blindados iraquianos
perto da fronteira Iraque-Kuait. A
artilharia dos marines também
pulverizou um posto de observação iraquiano. Tudo isso, aparentemente, com facilidade.
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