|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DETENÇÃO DE PINOCHET
Presidente chileno diz que Espanha pôs fim a ditadura franquista com anistia e defende Justiça de seu país
Frei critica intromissão em transição chilena
ALAIN ABELLARD
do "Le Monde"
Em visita a Paris na semana passada, o presidente chileno, Eduardo Frei, criticou a prisão em Londres do ex-ditador Augusto Pinochet, ocorrida em outubro a pedido da Justiça espanhola. Disse ser
uma intromissão indevida na transição democrática do Chile.
"Desejo denunciar um escândalo. Quero falar da Espanha, que
pôs fim a 30 anos de ditadura franquista com uma Lei de Anistia",
disse Frei, em viagem à Europa.
"Todos os países que passaram
por processos de transição democrática aplicaram soluções de transição. Reafirmamos a soberania do
Chile com relação a um processo
complexo, o da nossa transição para a democracia", afirmou.
No poder desde 1994 à frente de
uma coalizão de centro-esquerda
integrada por seu partido, o Democrata-Cristão, e o Partido Socialista, entre outros, o presidente
tem defendido com firmeza a volta
de Pinochet ao Chile.
Segundo Frei, cujo mandato vai
até março de 2000, um eventual
julgamento do general no exterior
violaria a soberania chilena.
Leia os principais trechos da entrevista concedida ao jornal "Le
Monde" na última quarta-feira.
Pergunta - Que resposta o sr. daria àqueles que afirmam que, sob a
Constituição atual, Pinochet não
pode ser julgado no Chile?
Frei - Não é verdade. No Chile,
todas as condições estão presentes
para que esse julgamento seja realizado. O Chile é um Estado de direito: possui Executivo, Legislativo
e Judiciário. Atualmente, há pelo
menos 300 casos de violações de
direitos humanos sob julgamento.
No que diz respeito a Pinochet, há
14 ou 15 queixas contra ele que estão sendo examinadas pela Justiça.
Pergunta - Quer dizer que, em
sua opinião, estão enganados
aqueles que afirmam que é impossível julgá-lo no Chile?
Frei - Repito: o Chile é um Estado
de direito no qual todo e qualquer
cidadão pode ser julgado. No passado, já julgamos e condenamos o
general Manuel Contreras, antigo
chefe da polícia secreta. (Contreras
foi condenado em 95 pelo assassinato, num atentado a bomba em
Washington, do ex-ministro da
Defesa do governo Salvador Allende, deposto por Pinochet).
Pergunta - Mas esse foi um dos
poucos que foram a julgamento.
Frei - Pelo menos de 20 a 25 pessoas se encontram na prisão por
violação dos direitos humanos.
Pergunta - Como o sr. explica esse mal-entendido da opinião pública, sobretudo a européia?
Frei - Em relação a esse ponto,
desejo denunciar um escândalo.
Quero falar, por exemplo, da Espanha, que pôs fim a 30 anos de ditadura franquista com uma Lei de
Anistia. E quero citar os acordos
assinados com o IRA (Exército Republicano Irlandês), os tratados
que conferiram imunidade aos dirigentes dos países africanos. Poderia citar 20 casos parecidos.
De maneira geral, todos os países
que passaram por processos de
transição democrática aplicaram
soluções de transição. Reafirmamos a soberania do Chile com relação a um processo complexo, o da
nossa transição para a democracia.
Pergunta - Isso significa que, no
final dos anos 80, o Chile selou um
pacto para alcançar o retorno à democracia e que hoje sua população
está pagando o preço desse pacto?
Frei - Não houve nenhum pacto
secreto. Tudo foi feito à luz do dia.
A partir de 1988, foi lançado um
processo de transição democrática
dentro do qual foi feita uma negociação pública. No final, foram reformados 54 artigos da Constituição, amplamente ratificados por
um referendo realizado em 1989.
Pergunta - Os cinco meses que se
passaram desde a detenção do general mudaram a vida no Chile?
Frei - Nos últimos tempos, a sociedade tinha sua atenção voltada
ao presente e ao futuro, mas, nesses últimos meses, ela vem discutindo o passado, os anos 70. Acho
indispensável haver uma memória
histórica, mas o país não pode passar 365 dias por ano com os olhos
voltados ao passado. Essa situação
provocou o retorno de uma série
de conflitos na sociedade chilena.
Pergunta - Essa situação fragiliza
sua coalizão governamental?
Frei - Todos os partidos da coalizão governista apoiaram claramente a posição do meu governo.
É fato reconhecido nacional e internacionalmente que os dez anos
de governo da coalizão foram os
dez melhores de toda a história do
Chile. Em todos os planos (econômico, social), as cifras obtidas relativas à inflação, à pobreza e ao nível de emprego não encontram
equivalente. E a imensa maioria
dos chilenos sabe que vivemos
uma estabilidade política, social e
econômica sem precedentes.
Pergunta - Quer dizer que não há
divergências entre os chilenos?
Frei - Não. Houve um debate profundo, o que é lógico. Tratava-se
de um assunto que diz respeito não
apenas à razão e à consciência, mas
também ao coração. Muitos ministros de meu governo foram torturados durante a ditadura. Demonstraram, em suas atitudes e
declarações, um alto senso de responsabilidade de Estado.
Tradução de
Clara Allain
Texto Anterior: Eleição hoje pode ser decisiva para Menem Próximo Texto: Entenda o caso Pinochet Índice
|