São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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DETENÇÃO DE PINOCHET
Presidente chileno diz que Espanha pôs fim a ditadura franquista com anistia e defende Justiça de seu país
Frei critica intromissão em transição chilena

ALAIN ABELLARD
do "Le Monde"

Em visita a Paris na semana passada, o presidente chileno, Eduardo Frei, criticou a prisão em Londres do ex-ditador Augusto Pinochet, ocorrida em outubro a pedido da Justiça espanhola. Disse ser uma intromissão indevida na transição democrática do Chile.
"Desejo denunciar um escândalo. Quero falar da Espanha, que pôs fim a 30 anos de ditadura franquista com uma Lei de Anistia", disse Frei, em viagem à Europa.
"Todos os países que passaram por processos de transição democrática aplicaram soluções de transição. Reafirmamos a soberania do Chile com relação a um processo complexo, o da nossa transição para a democracia", afirmou.
No poder desde 1994 à frente de uma coalizão de centro-esquerda integrada por seu partido, o Democrata-Cristão, e o Partido Socialista, entre outros, o presidente tem defendido com firmeza a volta de Pinochet ao Chile.
Segundo Frei, cujo mandato vai até março de 2000, um eventual julgamento do general no exterior violaria a soberania chilena.
Leia os principais trechos da entrevista concedida ao jornal "Le Monde" na última quarta-feira.
Pergunta - Que resposta o sr. daria àqueles que afirmam que, sob a Constituição atual, Pinochet não pode ser julgado no Chile?
Frei -
Não é verdade. No Chile, todas as condições estão presentes para que esse julgamento seja realizado. O Chile é um Estado de direito: possui Executivo, Legislativo e Judiciário. Atualmente, há pelo menos 300 casos de violações de direitos humanos sob julgamento. No que diz respeito a Pinochet, há 14 ou 15 queixas contra ele que estão sendo examinadas pela Justiça.
Pergunta - Quer dizer que, em sua opinião, estão enganados aqueles que afirmam que é impossível julgá-lo no Chile?
Frei -
Repito: o Chile é um Estado de direito no qual todo e qualquer cidadão pode ser julgado. No passado, já julgamos e condenamos o general Manuel Contreras, antigo chefe da polícia secreta. (Contreras foi condenado em 95 pelo assassinato, num atentado a bomba em Washington, do ex-ministro da Defesa do governo Salvador Allende, deposto por Pinochet).
Pergunta - Mas esse foi um dos poucos que foram a julgamento.
Frei -
Pelo menos de 20 a 25 pessoas se encontram na prisão por violação dos direitos humanos.
Pergunta - Como o sr. explica esse mal-entendido da opinião pública, sobretudo a européia?
Frei -
Em relação a esse ponto, desejo denunciar um escândalo. Quero falar, por exemplo, da Espanha, que pôs fim a 30 anos de ditadura franquista com uma Lei de Anistia. E quero citar os acordos assinados com o IRA (Exército Republicano Irlandês), os tratados que conferiram imunidade aos dirigentes dos países africanos. Poderia citar 20 casos parecidos.
De maneira geral, todos os países que passaram por processos de transição democrática aplicaram soluções de transição. Reafirmamos a soberania do Chile com relação a um processo complexo, o da nossa transição para a democracia.
Pergunta - Isso significa que, no final dos anos 80, o Chile selou um pacto para alcançar o retorno à democracia e que hoje sua população está pagando o preço desse pacto?
Frei -
Não houve nenhum pacto secreto. Tudo foi feito à luz do dia. A partir de 1988, foi lançado um processo de transição democrática dentro do qual foi feita uma negociação pública. No final, foram reformados 54 artigos da Constituição, amplamente ratificados por um referendo realizado em 1989.
Pergunta - Os cinco meses que se passaram desde a detenção do general mudaram a vida no Chile?
Frei -
Nos últimos tempos, a sociedade tinha sua atenção voltada ao presente e ao futuro, mas, nesses últimos meses, ela vem discutindo o passado, os anos 70. Acho indispensável haver uma memória histórica, mas o país não pode passar 365 dias por ano com os olhos voltados ao passado. Essa situação provocou o retorno de uma série de conflitos na sociedade chilena.
Pergunta - Essa situação fragiliza sua coalizão governamental?
Frei -
Todos os partidos da coalizão governista apoiaram claramente a posição do meu governo. É fato reconhecido nacional e internacionalmente que os dez anos de governo da coalizão foram os dez melhores de toda a história do Chile. Em todos os planos (econômico, social), as cifras obtidas relativas à inflação, à pobreza e ao nível de emprego não encontram equivalente. E a imensa maioria dos chilenos sabe que vivemos uma estabilidade política, social e econômica sem precedentes.
Pergunta - Quer dizer que não há divergências entre os chilenos?
Frei -
Não. Houve um debate profundo, o que é lógico. Tratava-se de um assunto que diz respeito não apenas à razão e à consciência, mas também ao coração. Muitos ministros de meu governo foram torturados durante a ditadura. Demonstraram, em suas atitudes e declarações, um alto senso de responsabilidade de Estado.


Tradução de Clara Allain


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