São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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Operação calma aproxima Sharon de vitória política

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A NEVE DEKALIM (GAZA)

A cartada mais arriscada da conturbada carreira de Ariel Sharon está prestes a ser concluída com grandes chances de se transformar numa convincente vitória política. Se ainda é cedo para considerar a batalha dos assentamentos vencida, o premiê israelense e sua equipe de estrategistas ao menos podem respirar aliviados ao constatarem que nenhum dos cenários apocalípticos sugeridos nos últimos meses, especialmente uma guerra entre irmãos, se materializou nas areias de Gaza.
Em apenas três dias, cerca de 85% dos colonos foram removidos dos assentamentos de Gaza. Dos 21, só quatro ainda não foram esvaziados. No entanto, o sucesso da operação não está apenas nos números, mas sobretudo no que não aconteceu, numa semana com muitas cenas dramáticas, mas poucos dramas reais.
Para começar, o mais importante: praticamente não houve violência, e nenhum colono ousou pegar em armas contra soldados.
Também não aconteceu a onda de deserções de soldados que os colonos tentaram provocar com a guerra psicológica travada nos últimos meses. Ao contrário, as forças responsáveis pela retirada seguiram à risca os princípios traçados pelo comando do Exército, "sensibilidade e determinação", mostrando impressionante autocontrole diante de provocações.
Para o movimento ultranacionalista, a semana foi o momento de rever as posições para a próxima batalha, pelos assentamentos da Cisjordânia, que já era travada antes mesmo da saída de Gaza. "A guerra pela Terra de Israel está apenas começando", previu o deputado Beni Eilon, líder do partido União Nacional, enquanto acompanhava a resistência de jovens entrincheirados na sinagoga de Kfar Darom, na última quinta-feira. "Sharon nos traiu uma vez, por que não trairia novamente?"
Para Eilon e outros líderes da extrema direita, a metamorfose vivida por Sharon, arquiteto e padrinho dos assentamentos judeus em Gaza e na Cisjordânia, foi um golpe do qual ainda não sabem como se recuperar. De fato, a mudança de posição do veterano general pegou todos de surpresa.
Há não muito tempo, o discurso de Sharon parecia rígido como pedra. Em 2002, chegou a equiparar a importância estratégica de Netzarim, o mais isolado assentamento de Gaza, à de Tel Aviv, pregando a manutenção do status quo até a rendição palestina.

Nova força
Para Yoel Marcus, principal articulista do jornal "Haaretz", a quem Sharon deu a notícia da retirada unilateral de Gaza em primeira mão no ano passado, os frutos da iniciativa só poderão ser colhidos se o governo agir com rapidez para quebrar de vez o impasse no processo de paz.
"Israel cometerá um erro grave se repousar sobre os louros da vitória", escreveu Marcus, para quem o momento precisa ser aproveitado para o início da demarcação das fronteiras definitivas do país. Sem esquecer que isso não dependerá só de Sharon. "Cabe aos palestinos não desperdiçar novamente a oportunidade que lhes foi dada de bandeja."
Quase dois terços dos israelenses são favoráveis à saída de Gaza, segundo pesquisa divulgada anteontem pelo jornal "Yediot Ahronot", mas esse apoio definhará rapidamente se as previsões de Binyamin Netanyahu, que deixou o cargo de ministro das Finanças de Sharon a poucos dias do início da retirada, se concretizarem. Para Netanyahu, que ambiciona voltar a ser premiê, o terrorismo palestino acaba de ganhar uma base livre da qual florescerá nos próximos meses, matando qualquer projeto de convivência pacífica.
Seja como for, não será fácil para Sharon manter a liderança de seu partido, o Likud, do qual Netanyahu também é membro. Em votações na fase preparatória do plano de retirada, um terço do partido foi contra. A julgar pelos ventos políticos hoje em Israel, há grandes chances de Sharon deixar o partido que ajudou a fundar e criar uma nova força que ocupe o centro do mapa político.
"É muito difícil prever quais serão os próximos passos de Sharon, mesmo porque ele sempre mostrou apego aos assentamentos da Cisjordânia, e o senso comum indica que a saída de Gaza se destina a fortalecê-lo", diz o professor de ciência política Peter Medding, da Universidade de Jerusalém. "Pode ser, porém, que neste fim da carreira sua preocupação seja passar para a história como um homem de paz." Os meses por vir dirão qual o real alcance da metamorfose do general.


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