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Operação calma
aproxima Sharon
de vitória política
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A NEVE DEKALIM (GAZA)
A cartada mais arriscada da
conturbada carreira de Ariel Sharon está prestes a ser concluída
com grandes chances de se transformar numa convincente vitória
política. Se ainda é cedo para considerar a batalha dos assentamentos vencida, o premiê israelense e
sua equipe de estrategistas ao menos podem respirar aliviados ao
constatarem que nenhum dos cenários apocalípticos sugeridos
nos últimos meses, especialmente
uma guerra entre irmãos, se materializou nas areias de Gaza.
Em apenas três dias, cerca de
85% dos colonos foram removidos dos assentamentos de Gaza.
Dos 21, só quatro ainda não foram
esvaziados. No entanto, o sucesso
da operação não está apenas nos
números, mas sobretudo no que
não aconteceu, numa semana
com muitas cenas dramáticas,
mas poucos dramas reais.
Para começar, o mais importante: praticamente não houve violência, e nenhum colono ousou
pegar em armas contra soldados.
Também não aconteceu a onda
de deserções de soldados que os
colonos tentaram provocar com a
guerra psicológica travada nos últimos meses. Ao contrário, as forças responsáveis pela retirada seguiram à risca os princípios traçados pelo comando do Exército,
"sensibilidade e determinação",
mostrando impressionante autocontrole diante de provocações.
Para o movimento ultranacionalista, a semana foi o momento
de rever as posições para a próxima batalha, pelos assentamentos
da Cisjordânia, que já era travada
antes mesmo da saída de Gaza. "A
guerra pela Terra de Israel está
apenas começando", previu o deputado Beni Eilon, líder do partido União Nacional, enquanto
acompanhava a resistência de jovens entrincheirados na sinagoga
de Kfar Darom, na última quinta-feira. "Sharon nos traiu uma vez,
por que não trairia novamente?"
Para Eilon e outros líderes da
extrema direita, a metamorfose
vivida por Sharon, arquiteto e padrinho dos assentamentos judeus
em Gaza e na Cisjordânia, foi um
golpe do qual ainda não sabem
como se recuperar. De fato, a mudança de posição do veterano general pegou todos de surpresa.
Há não muito tempo, o discurso
de Sharon parecia rígido como
pedra. Em 2002, chegou a equiparar a importância estratégica de
Netzarim, o mais isolado assentamento de Gaza, à de Tel Aviv, pregando a manutenção do status
quo até a rendição palestina.
Nova força
Para Yoel Marcus, principal articulista do jornal "Haaretz", a
quem Sharon deu a notícia da retirada unilateral de Gaza em primeira mão no ano passado, os
frutos da iniciativa só poderão ser
colhidos se o governo agir com rapidez para quebrar de vez o impasse no processo de paz.
"Israel cometerá um erro grave
se repousar sobre os louros da vitória", escreveu Marcus, para
quem o momento precisa ser
aproveitado para o início da demarcação das fronteiras definitivas do país. Sem esquecer que isso
não dependerá só de Sharon. "Cabe aos palestinos não desperdiçar
novamente a oportunidade que
lhes foi dada de bandeja."
Quase dois terços dos israelenses são favoráveis à saída de Gaza,
segundo pesquisa divulgada anteontem pelo jornal "Yediot Ahronot", mas esse apoio definhará
rapidamente se as previsões de
Binyamin Netanyahu, que deixou
o cargo de ministro das Finanças
de Sharon a poucos dias do início
da retirada, se concretizarem. Para Netanyahu, que ambiciona voltar a ser premiê, o terrorismo palestino acaba de ganhar uma base
livre da qual florescerá nos próximos meses, matando qualquer
projeto de convivência pacífica.
Seja como for, não será fácil para Sharon manter a liderança de
seu partido, o Likud, do qual Netanyahu também é membro. Em
votações na fase preparatória do
plano de retirada, um terço do
partido foi contra. A julgar pelos
ventos políticos hoje em Israel, há
grandes chances de Sharon deixar
o partido que ajudou a fundar e
criar uma nova força que ocupe o
centro do mapa político.
"É muito difícil prever quais serão os próximos passos de Sharon, mesmo porque ele sempre
mostrou apego aos assentamentos da Cisjordânia, e o senso comum indica que a saída de Gaza
se destina a fortalecê-lo", diz o
professor de ciência política Peter
Medding, da Universidade de Jerusalém. "Pode ser, porém, que
neste fim da carreira sua preocupação seja passar para a história
como um homem de paz." Os
meses por vir dirão qual o real alcance da metamorfose do general.
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