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Especialista em epidemiologia do Exército dos EUA fala dos riscos do antraz e da varíola
Uso de vírus teria alcance global
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Os EUA não poderiam conter
uma epidemia de varíola hoje caso cem pessoas fossem infectadas.
A opinião é do microbiologista
Clarence James Peters, coronel reformado do Exército americano e
especialista em prevenção de catástrofes biológicas.
Peters, 61, sabe bem do que está
falando. Coordenador do Centro
de Defesa Biológica da Universidade do Texas em Galveston, ele
criou e dirigiu o departamento de
avaliação de doenças do instituto
militar de pesquisa de doenças infecciosas do país -cuja função é
justamente a defesa biológica.
Até o ano passado, também
chefiava a Seção de Patógenos Especiais do CDC (Centro de Controle de Doenças). Já comandou
expedições de "caça" ao vírus
ebola na África e ajudou a conter
uma epidemia daquele micróbio
em Reston, no Estado da Virgínia,
em 1989 -felizmente, de um tipo
de ebola que só ataca macacos.
O incidente foi relatado no best-seller "Zona Quente", de Richard
Preston, que inspirou o filme
"Epidemia", de 1995. "Acho que
eu era o Dustin Hoffman", brincou, numa entrevista recente ao
jornal "The New York Times".
Em entrevista à Folha, C.J., como prefere ser chamado, afirmou
que a "epidemia postal" de antraz
é "uma coisa psicológica". "Nós
cometemos um erro nessa história. Nossas autoridades de saúde
não vieram a público para dizer
qual era o risco."
Folha - O sr. já teve de lidar com
potenciais catástrofes biológicas,
como a que aconteceu nos EUA com
o ebola em 1989. Alguma vez imaginou que fosse ver o que está
acontecendo agora?
Clarence James Peters - Nunca
pensei que fosse ver ataques por
carta. Pensava que até pudessem
usar cartas, mas que as pessoas
que as usassem não teriam um
preparado [de antraz" suficientemente fino ou concentrado. Você
precisa de partículas muito pequenas para entrar no pulmão.
Então um ataque por carta talvez
pudesse contaminar alguém pela
pele, mas isso pode ser facilmente
resolvido por antibióticos. Quem
fez isso tinha grãos muito finos. É
difícil obtê-los.
Folha - Quem poderia manipular
e fazer grãos finos?
Peters - Você precisa de dois tipos de gente. Um tipo, o chefe, é
alguém com conhecimentos em
microbiologia. E um laboratório
de microbiologia, onde você possa cultivar grandes quantidades
de bactéria. Outra pessoa é alguém com treinamento técnico
ou militar, talvez com algum conhecimento industrial e de microbiologia, para fazer os grãos no
tamanho certo. Alguém com experiência na área, habilidades específicas e recursos.
Folha - O sr. já chegou a cogitar
que isso pudesse ser obra de grupos de ódio dos EUA?
Peters - É possível. Mas a maior
parte desses grupos não tem habilidade técnica. Eles não têm tecnologia suficiente nem para fazer
explodir bombas direito.
Folha - Há muita mitologia em
torno de quem poderia produzir esporos de antraz ou cultivar vírus.
Há quem diga que qualquer pessoa
com conhecimentos de microbiologia e pouco dinheiro poderia, num
laboratório simples, produzir armas biológicas. Isso é verdade?
Peters - Eles conseguiriam infectar umas poucas dezenas de pessoas. Para criar uma arma de terror em massa, tem de ter um laboratório especial de microbiologia.
Folha - O antraz não passa de pessoa a pessoa e até penicilina pode
dar conta dele. Por que ele está
sendo usado em vez de algo mais
letal, como o vírus da febre amarela, por exemplo?
Peters - Primeiro, antraz é fácil
de cultivar. O vírus da febre amarela precisa ser cultivado numa
célula viva. Claro, nós temos essas
culturas e as usamos o tempo todo. Mas o problema aqui é a ordem de magnitude, que torna
muito mais complicado e caro
cultivar vírus do que produzir o
Bacillus anthracis.
Outra coisa: o antraz é muito estável. E alguns vírus não. Olha, isso é uma indústria. Requer experimentação e tempo. Se você quer
usar febre amarela, precisa estabilizá-lo e encontrar o material certo para espalhá-lo. Já se cultivou
esporo de antraz de ossos que foram datados por carbono-14 em
200 anos! O antraz é maravilhosamente adaptado para operações
terroristas. O problema é que ele
não é tão infeccioso quanto as
pessoas pensam. Mas os EUA e a
ex-União Soviética usaram vírus
em seus programas de guerra biológica, além do antraz.
Folha - O sr. esperaria um ataque
com vírus?
Peters - Bem, eu não esperava
que dois aviões fossem bater no
World Trade Center. Toda vez
que tentar adivinhar o que um
terrorista está pensando você vai
se dar mal. Você pode pensar que
o fato de eles terem feito antraz altamente purificado sugere um
grau de sofisticação que é preocupante, e que houve muito trabalho e cuidado por trás disso.
Se eles têm um laboratório, não
necessariamente no Afeganistão,
onde fizeram isso, podem fazer
mais. Eu me preocuparia mais
com um ataque [com antraz" mediado por aerossóis, caso em que
essas partículas de 1 a 5 microgramas seriam disseminadas no ar.
Isso mataria um monte de gente.
Muita gente ficaria exposta e isso
seria disseminado sem ser visto.
Haveria um período de incubação, de uns cinco dias, e depois
disso as pessoas ficariam doentes
sem que ninguém soubesse o motivo. E depois que elas fossem
identificadas haveria mais gente
doente ainda, e todo esse estoque
de antibióticos não seria mais tão
útil. Outra coisa que eles poderiam fazer, e a longo prazo isso
poderia acontecer, seria pôr resistência a antibiótico nas bactérias.
Folha - Então o sr. se preocupa
mais neste momento com o próprio
antraz do que com um vírus?
Peters - Há sempre o curinga,
que é a varíola. A varíola foi erradicada da natureza entre 1978 e
1979. E as pessoas que foram vacinadas na época não são mais imunes. A imunidade da vacina só
dura de 10 a 20 anos. Quer dizer,
"só" não; é uma bela imunização,
mas ela vai embora. Então temos
muita população suscetível, e ela
se espalha de pessoa a pessoa.
Quer dizer, o antraz é perturbador, mas não é sério de verdade.
Antibióticos dão conta dele.
Se tivéssemos um ataque disseminado por aerossol, aí seria sério. Se tivéssemos uma centena de
casos de varíola aqui, vocês teriam varíola no Brasil, porque nós
não conseguiríamos contê-la.
Pensávamos que a varíola estivesse confinada a um laboratório nos
EUA e um na Rússia. Mas Ken Elibek [cientista do Cazaquistão que
trabalhou no programa de armas
biológicas da URSS" disse que eles
têm toneladas de varíola transformada em arma.
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