|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PARANÓIA
Americanos são vítimas do pânico causado pelo antraz e por ameaças de bioterrorismo
Pós-atentado cria histeria coletiva
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Na semana passada, o estudante
Joseph Lew, 16, finalmente voltou
às aulas. O nova-iorquino não estava em férias, era um dos 3.200
alunos da Escola Secundária Stuyvesant, que acontece de ficar a seis
quadras do World Trade Center,
em Manhattan.
Desde o atentado terrorista do
dia 11 de setembro, o estabelecimento foi fechado, passou por
testes de estrutura, foi isolado para limpeza de asbesto e teve seu ar
e sua água examinados por técnicos do departamento de saúde de
Nova York -tudo a custo aproximado de US$ 1 milhão.
Nas primeiras horas da primeira aula do primeiro dia, Lew começou a passar mal. Ardência nos
olhos, um gosto ruim na boca, um
zumbido nos ouvidos. Pediu para
ir para o hospital. Como ele, 80
outros colegas manifestaram diversos sintomas e foram enviados
ao pronto-socorro.
Não tinham nada.
Desde então, um médico e uma
enfermeira dão plantão o dia inteiro na Stuyvesant. Não está descartado aconselhamento psicológico nos próximos dias. "Nós resolvemos agir com um exagero de
precaução por aqui, por motivos
óbvios", justificou-se Karen Finney, porta-voz da escola.
Já Cynthia Davis, assessora do
reverendo Al Sharpton, se pegou
esta semana usando luvas de limpeza enquanto pegava o metrô
para ir trabalhar. Detalhe: eram
aquelas luvas amarelas brilhantes,
de borracha bem grossa.
Ela não se lembra como elas foram parar lá, mas a nova-iorquina, que dá expediente no escritório do folclórico líder político,
achou melhor prevenir do que remediar. "Também parei de almoçar em restaurante com bufê", declarou. "E se um terrorista coloca
algo no salad bar?".
Os estudantes e a funcionária
são parte das milhares de vítimas
do pânico causado pelos casos de
antraz e pela ameaça de bioterrorismo que assolam os EUA. O fenômeno vem ocorrendo principalmente nas grandes áreas urbanas e especialmente nas cidades já
atingidas, como Nova York.
Há até nome para este pânico,
de acordo com estudo publicado
na sexta-feira pelo "British Medical Journal": trata-se da "doença
sociogência de massa", síndrome
cujo detonador são fatores sociais, em vez de causas médicas.
Em outras palavras, segundo a
publicação, histeria coletiva.
Doença de mídia
O antraz tem sido até agora uma
doença muito mais da mídia -literalmente- do que efetivamente da população. Afinal, dos 281
milhões de habitantes dos EUA,
menos de 50 foram contaminados, dos quais apenas oito sofreram a infecção, com somente
uma vítima fatal entre esses.
Mesmo assim, nos últimos 20
dias, o FBI, a polícia federal norte-americana, recebeu pelo menos
2.500 ligações de cidades do país
inteiro de pessoas sinceramente
preocupadas com o que julgam
ser uma correspondência suspeita. Só em Nova York são quase 80
por dia, diz a polícia.
Todas as ocorrências deram e
vêm dando negativo, obviamente.
Quando menos, segundo o próprio serviço de inteligência do
FBI, porque entre todas as armas
disponíveis para um atentado
bioterrorista, o antraz é uma das
menos efetivas. Não é contagioso,
algo que a muito mais letal varíola
é, para citar um exemplo.
Na mesma sexta, chamando a
população à calma, o prefeito de
Nova York, Rudolph Giuliani, fez
as contas. "Até agora, tivemos
quatro infectados por antraz na
cidade, todos os quatro tratados e
curados", disse ele. "Não há razão
alguma para ninguém estar excessivamente alarmado."
O frenesi não é localizado às cidades ou Estados que efetivamente tiveram um caso. A empresa de
cartão de crédito American Express avisou anteontem nos EUA
que iria enviar um pedido de desculpas a 40 mil clientes suecos por
ter mandado um cartão de Natal
que subitamente virou politicamente incorreto.
Dentro, além da mensagem institucional de praxe, o envelope
trazia um saquinho de flocos
brancos de plástico e pedia que o
destinatário "espalhasse" a alegria
neste final de ano. A companhia
recebeu pelo menos uma centena
de telefonemas irados.
A tensão chegou até mesmo à
indústria da esterilização. Nos últimos dias, várias empresas de
descontaminação por calor e por
luz acusaram telefonemas perguntando se seus produtos podem ser usados para matar bactérias de envelopes e cartas.
É o caso da Consolidated Machine, que produz esterilizadores
a vapor há 50 anos. "Não é difícil
matar um esporo no papel", disse
o cientista Arthur Trapotsis, cujos
produtos se assemelham a pequenos fornos. "É só quando a bactéria entra no corpo humano que a
coisa complica."
Houve inclusive gente séria
aconselhando na TV norte-americana que uma boa passada de
ferro caseiro de roupa num envelope suspeito pode matar todas as
bactérias do antraz. Não é verdade, ou pelo menos é meia-verdade, segundo profissionais ouvidos
pela Folha. Seriam precisos 20
minutos sob a temperatura máxima do aparelho para se conseguir
um resultado efetivo.
Texto Anterior: Uso de vírus teria alcance global Próximo Texto: Consumidor pós-antraz toma Cipro e usa luva Índice
|