São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2001

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PARANÓIA
Americanos são vítimas do pânico causado pelo antraz e por ameaças de bioterrorismo

Pós-atentado cria histeria coletiva

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Na semana passada, o estudante Joseph Lew, 16, finalmente voltou às aulas. O nova-iorquino não estava em férias, era um dos 3.200 alunos da Escola Secundária Stuyvesant, que acontece de ficar a seis quadras do World Trade Center, em Manhattan.
Desde o atentado terrorista do dia 11 de setembro, o estabelecimento foi fechado, passou por testes de estrutura, foi isolado para limpeza de asbesto e teve seu ar e sua água examinados por técnicos do departamento de saúde de Nova York -tudo a custo aproximado de US$ 1 milhão.
Nas primeiras horas da primeira aula do primeiro dia, Lew começou a passar mal. Ardência nos olhos, um gosto ruim na boca, um zumbido nos ouvidos. Pediu para ir para o hospital. Como ele, 80 outros colegas manifestaram diversos sintomas e foram enviados ao pronto-socorro.
Não tinham nada.
Desde então, um médico e uma enfermeira dão plantão o dia inteiro na Stuyvesant. Não está descartado aconselhamento psicológico nos próximos dias. "Nós resolvemos agir com um exagero de precaução por aqui, por motivos óbvios", justificou-se Karen Finney, porta-voz da escola.
Já Cynthia Davis, assessora do reverendo Al Sharpton, se pegou esta semana usando luvas de limpeza enquanto pegava o metrô para ir trabalhar. Detalhe: eram aquelas luvas amarelas brilhantes, de borracha bem grossa.
Ela não se lembra como elas foram parar lá, mas a nova-iorquina, que dá expediente no escritório do folclórico líder político, achou melhor prevenir do que remediar. "Também parei de almoçar em restaurante com bufê", declarou. "E se um terrorista coloca algo no salad bar?".
Os estudantes e a funcionária são parte das milhares de vítimas do pânico causado pelos casos de antraz e pela ameaça de bioterrorismo que assolam os EUA. O fenômeno vem ocorrendo principalmente nas grandes áreas urbanas e especialmente nas cidades já atingidas, como Nova York.
Há até nome para este pânico, de acordo com estudo publicado na sexta-feira pelo "British Medical Journal": trata-se da "doença sociogência de massa", síndrome cujo detonador são fatores sociais, em vez de causas médicas. Em outras palavras, segundo a publicação, histeria coletiva.

Doença de mídia
O antraz tem sido até agora uma doença muito mais da mídia -literalmente- do que efetivamente da população. Afinal, dos 281 milhões de habitantes dos EUA, menos de 50 foram contaminados, dos quais apenas oito sofreram a infecção, com somente uma vítima fatal entre esses.
Mesmo assim, nos últimos 20 dias, o FBI, a polícia federal norte-americana, recebeu pelo menos 2.500 ligações de cidades do país inteiro de pessoas sinceramente preocupadas com o que julgam ser uma correspondência suspeita. Só em Nova York são quase 80 por dia, diz a polícia.
Todas as ocorrências deram e vêm dando negativo, obviamente. Quando menos, segundo o próprio serviço de inteligência do FBI, porque entre todas as armas disponíveis para um atentado bioterrorista, o antraz é uma das menos efetivas. Não é contagioso, algo que a muito mais letal varíola é, para citar um exemplo.
Na mesma sexta, chamando a população à calma, o prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, fez as contas. "Até agora, tivemos quatro infectados por antraz na cidade, todos os quatro tratados e curados", disse ele. "Não há razão alguma para ninguém estar excessivamente alarmado."
O frenesi não é localizado às cidades ou Estados que efetivamente tiveram um caso. A empresa de cartão de crédito American Express avisou anteontem nos EUA que iria enviar um pedido de desculpas a 40 mil clientes suecos por ter mandado um cartão de Natal que subitamente virou politicamente incorreto.
Dentro, além da mensagem institucional de praxe, o envelope trazia um saquinho de flocos brancos de plástico e pedia que o destinatário "espalhasse" a alegria neste final de ano. A companhia recebeu pelo menos uma centena de telefonemas irados.
A tensão chegou até mesmo à indústria da esterilização. Nos últimos dias, várias empresas de descontaminação por calor e por luz acusaram telefonemas perguntando se seus produtos podem ser usados para matar bactérias de envelopes e cartas.
É o caso da Consolidated Machine, que produz esterilizadores a vapor há 50 anos. "Não é difícil matar um esporo no papel", disse o cientista Arthur Trapotsis, cujos produtos se assemelham a pequenos fornos. "É só quando a bactéria entra no corpo humano que a coisa complica."
Houve inclusive gente séria aconselhando na TV norte-americana que uma boa passada de ferro caseiro de roupa num envelope suspeito pode matar todas as bactérias do antraz. Não é verdade, ou pelo menos é meia-verdade, segundo profissionais ouvidos pela Folha. Seriam precisos 20 minutos sob a temperatura máxima do aparelho para se conseguir um resultado efetivo.


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