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RÚSSIA
Para a ONG dos EUA, ritual de iniciação militar causa mortes e suicídios
Human Rights
denuncia sadismo
no Exército russo
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Centenas de milhares de recrutas enfrentam maus-tratos em seu
primeiro ano nas Forças Armadas
russas, o que provoca um alto número de mortes e de suicídios, segundo relatório divulgado ontem
pela Human Rights Watch.
O texto da organização sediada
nos EUA, de 86 páginas, documenta inúmeros casos de violação aos direitos humanos durante
a "dedovshchina" -ou regra dos
avós-, espécie de ritual de iniciação militar da era soviética que
ainda é aplicada atualmente, de
acordo com a HRW.
Um total de 25 calouros morreram no primeiro semestre deste
ano em decorrência dos abusos a
ele impostos por outros soldados,
enquanto 109 cometeram suicídio
no mesmo período, um aumento
de 38% em relação ao ano passado, segundo o relatório. Este cita
estatísticas oficiais russas.
"O mais grave é que o "trote" dura todo o primeiro ano dos quatro
que o recruta é obrigado legalmente a servir nas Forças Armadas. Trata-se de um fenômeno
que se retroalimenta, pois, em seu
segundo ano, os soldados querem
alguma forma de vingança e acabam transferindo a violência para
os novos recrutas", declarou à Folha, por telefone, de Moscou, Diederik Lohman, autor do relatório.
"Além da duração dos abusos,
também devemos ressaltar sua
intensidade e sua freqüência. Os
novos soldados são alvo dos mais
velhos sistematicamente, e as
ações vão de espancamentos a
queimaduras com cigarro. Ademais, os calouros vivem em estado de humilhação constante. O
que há na Rússia não se compara
com nenhum outro ritual de iniciação militar existente no planeta", acrescentou Lohman.
Na maioria dos casos, segundo
a HRW, soldados estão por trás
das violações impostas aos calouros. Para a entidade, contudo, os
oficiais são tão culpados quanto
seus comandados, já que preferem "ignorar abusos cometidos
em suas unidades, embora o "trote" constitua uma ofensa ao código de conduta militar russo".
"Como disse anteriormente, o
ciclo de violência é alimentado
pelo desejo de vingança. O único
modo de pôr fim a esse sistema
requer que os oficiais graduados
tomem uma posição claramente
contrária à prática. Enquanto a
maioria deles continuar a ignorar
o tipo de violência a que são submetidos os recrutas, nada mudará
realmente", afirmou Lohman.
"Mais alarmante é o fato de os
oficiais, com freqüência, estimularem a aplicação do "trote" porque crêem que ele sirva para manter a disciplina em suas unidades.
A mentalidade da cúpula militar
deverá ser alterada se Moscou
quiser resolver o problema."
Crise militar
De acordo com a HRW, o violento ritual de iniciação tem um
grave impacto sobre a eficiência e
a qualidade das Forças Armadas
da Rússia, que conta com entre
150 mil e 200 mil recrutas anualmente, conforme suas necessidades. O serviço militar obrigatório
russo é de quatro anos.
"A "dedovshchina" tem dois
efeitos deletérios principais no
que tange à atuação dos militares
russos. Primeiro, o Exército passou a afugentar as pessoas mais
bem preparadas. Quando têm
boas relações com as autoridades,
elas conseguem escapar. Senão,
fazem tudo o que está a seu alcance para evitar o serviço militar",
apontou Lohman.
"Com isso, a qualidade dos oficiais também se degradou, e o sistema acabou se perpetuando, visto que eles fazem vista grossa às
violações cometidas por seus comandados. Segundo, recrutas fragilizados e humilhados publicamente por seus colegas são fisicamente menos aptos a enfrentar as
dificuldades de situações de combate, como na Tchetchênia",
acrescentou o pesquisador.
Ontem grupos de defesa dos direitos dos soldados disseram que
cerca de 25 mil militares russos
morreram na Tchetchênia na última década. As Forças Armadas
da Rússia afirmam, porém, que
por volta de 12 mil perderam a vida nos dez anos do conflito.
Após o colapso da URSS, no início da década passada, os militares russos perderam boa parte do
respeito popular de que gozavam.
Os soldos tiveram sensível redução, e os oficiais mais bem preparados trocaram as Forças Armadas pela iniciativa privada.
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