São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Discurso de Bolívar vira mote para barrar Chávez

Oposição usa fala histórica de libertador em campanha contra reeleição indefinida

Declaração apropriada por adversários critica longa permanência no poder; presidente acusa rivais de deturpar palavras históricas

Jorge Silva-18.dez.08/Reuters
Marcha chavista em Caracas defende reeleição indefinida

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Conhecido por citar o libertador Simón Bolívar à exaustão, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, está vendo uma frase de seu maior herói se transformar no principal mote da campanha oposicionista contra a emenda da reeleição indefinida, que vai a referendo dentro de três meses.
No Discurso de Angostura, de 1819, Bolívar diz: "A continuação da autoridade num mesmo indivíduo freqüentemente tem sido o fim dos governos democráticos. As repetidas eleições são essenciais nos sistemas populares, porque nada é tão perigoso como deixar permanecer um mesmo cidadão por muito tempo no poder. O povo se acostuma a lhe obedecer, e ele se acostuma a mandar, de onde se origina a usurpação e a tirania."
O discurso foi feito na cidade de Angostura (hoje Ciudad Bolívar, leste da Venezuela), durante a instalação de um Congresso Constituinte. Na época, Bolívar (1783-1830) era o líder máximo do país.
Editada sem o trecho "As repetidas reeleições...", a frase está sendo reproduzida em panfletos, cartazes, camisetas e outros tipos de material publicitário oposicionista, que fazem parte do esforço de mobilização contrária à campanha pela reeleição indefinida sob o nome de Comando Angostura, em referência ao discurso.
"A palavra "Angostura" representa o Bolívar civilista republicano, que entende a inconveniência de que o poder fique em apenas uma mão", discursou Oscar Lucien, da ONG oposicionista Ciudadanía Activa, no lançamento do comando, na semana passada.
O uso da frase tem irritado Chávez, que se proclama líder da "revolução bolivariana" e costuma batizar quase tudo com o nome do herói máximo da independência venezuelana, como o recém-lançado satélite, comprado na China.
"Se querem falar de Bolívar, me encantaria fazer todos os dias uma cadeia [obrigatória de rádio e TV]. Podemos abrir a cátedra bolivariana de Miraflores", disse Chávez, em cadeia, na juramentação de seu comando de campanha para o referendo, no última dia 10.
(Neste ano, Chávez bateu o seu recorde de cadeias nacionais obrigatórias de rádio e TV: 170 horas até agora. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mesmo período, usou esse recurso por 11 minutos.)
Na semana anterior, o presidente venezuelano já havia lançado um ataque contra a oposição, acusando-a de deturpar as palavras de Simon Bolívar por omitir o trecho sobre "eleições repetidas" e porque seu governo "transfere poder ao povo".
"Estamos em uma situação diferente [de 1819], aqui é o revés, é um povo que manda, e um líder que obedece", disse Chávez, que em fevereiro cumpre dez anos na Presidência -já é o mandatário latino-americano há mais tempo no poder.

Violência
A luta pela imagem de Bolívar ganhou contornos violentos na última quarta-feira, quando se comemorou o 178º aniversário de sua morte.
Um grupo de estudantes universitários tentou depositar flores aos pés da estátua de Simón Bolívar na tradicional praça que leva o seu nome, no centro de Caracas, mas foram impedidos a pedradas, garrafadas, socos e pontapés por militantes chavistas no momento em que liam um manifesto contendo o discurso de Angostura.
Segundo os organizadores da homenagem, três estudantes saíram com ferimentos leves.
"Fomos agredidos, destruíram a coroa de flores que levávamos, empurrara uma menina e cortaram a boca de um estudante. Não houve nada muito grave, mas rechaçamos categoricamente esse ato de violência", disse o líder estudantil David Smolanski.
O vice-presidente venezuelano, Ramón Carrizález, condenou a agressão, mas ressaltou que os estudantes deveriam ter solicitado permissão ao governo para poder realizar o ato "tranqüilamente".
O uso da frase voltou a ser duramente criticado na última quinta, quando a Assembléia Nacional, dominada pelos chavistas, aprovou em primeira votação a convocação do referendo sobre a reeleição indefinida.
"Essa figura de Bolívar tão maltratada pela burguesia e pela oligarquia, encurralada historicamente pelas mesmas máfias de ontem, a burguesia e setores de direita de hoje pretendem roubá-la", discursou na plenária o deputado governista Carlos Escarrá.


Texto Anterior: Na Califórnia, ONG age para anular 18 mil uniões gays
Próximo Texto: Crise assombra festejos da abertura chinesa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.