São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2008

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Crise assombra festejos da abertura chinesa

Trinta anos depois de Deng Xiaoping iniciar reformas econômicas que mudaram o país, tensão social cresce na sombra da recessão global

Academia Chinesa de Ciências Sociais prevê que 150 milhões de migrantes rurais sejam afetados por queda de empregos e salário

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Crescimento de 9% ao ano em média por três décadas, 400 milhões de pessoas que deixaram o grupo abaixo do nível da pobreza e a transformação de um país agrário e isolado por séculos em quarta potência econômica mundial.
Os 30 anos da abertura econômica da China tinham tudo para se tornar uma celebração tão patriótica e grandiloqüente como a última Olimpíada. Mas a cerimônia da última quinta-feira à noite, no Grande Salão do Povo, mostrou que o humor chinês não está para festejos.
Não houve bandeirolas na rua, paradas militares e até a cobertura da TV estatal foi discreta. O discurso do presidente Hu Jintao, que falou do triunfo do socialismo e das lições de Karl Marx, mostrou o quanto anda embaralhada a cabeça da liderança comunista na hipercapitalista China.
A Academia Chinesa de Ciências Sociais, o maior centro de estudos do governo, prevê que 150 milhões dos migrantes rurais sejam afetados pelo desemprego, pela contração dos salários ou por outras condições mais precárias agravadas pela crise que atinge a construção civil e as fábricas de produtos para exportação.
E estima que a taxa de desemprego oficial irá dobrar em 2009 para quase 10%.

Tensão social
Apesar do domínio total sobre a mídia e da censura à internet, a divulgação das más notícias tem sido incontrolável. Não passa nenhum dia sem que haja protestos de funcionários de fábricas falidas que lutam pelos salários atrasados, que depredam a sede ou entram em confronto com a polícia -assim como as greves de taxistas, que já acontecem em mais de 20 cidades.
O Departamento de Propaganda, por enquanto, permite a cobertura de tais protestos, sob temor de que a censura possa provocar ainda mais revolta.
Intelectuais próximos ao regime têm expressado em público críticas ao "modelo" chinês, baseado em investimentos em massa principalmente em infra-estrutura e mais exportações que consumo interno.
A ausência de Previdência social e de educação e saúde públicas gratuitas (desmanteladas nos anos 80) levam o chinês a poupar sem parar em um momento no qual o consumo doméstico poderia compensar a queda nas exportações.
A desigualdade social crescente, exposta pelo exibicionismo dos ricos com bons contatos no partido, garante que a renda urbana seja quase quatro vezes maior que a rural.
Pelo menos 400 milhões de chineses ainda vivem com o equivalente a menos de US$ 2 por dia. A renda média dos 20% mais ricos é 17 vezes maior que a dos 20% mais pobres. Em 1978, quase todos eram igualmente miseráveis.

Enriquecer é glorioso
Ainda assim, os contratempos, em parte provocados pela atual crise econômica global, não diminuem os feitos das reformas que começaram a ser adotadas ao final da 11º Congresso do Comitê Central do Partido Comunista, em 22 de dezembro de 1978.
Deng Xiaoping se tornava o líder do partido e do país, e deixava para trás a Revolução Cultural, iniciada em 1966 por Mao Tsetung para recuperar o ânimo no comunismo depois de uma década de desastres econômicos e humanitários, e para expurgar seus rivais.
Na histórica reunião, Deng popularizou os ditados "não interessa se o gato é branco ou preto, desde que consiga pegar o rato" e "enriquecer é glorioso", flexibilizando o sistema comunista e fazendo com que o país aos poucos incorporasse a economia de mercado. Primeiro, de forma titubeante nos anos 80, depois, de forma vigorosa a partir do início dos anos 90, sucedendo a crise econômica que levou aos protestos (e ao massacre) na Praça da Paz Celestial em 1989.
A repressão à dissidência permanece forte, o PC continua único, mas os símbolos de prosperidade estão por toda parte, principalmente na região costeira ao leste e no sul do país, nas grandes cidades, como Pequim, Xangai e Guangzhou, e em zonas especiais de desenvolvimento, como Shenzhen.
O fim das comunas no campo, de milhares de estatais e das unidades de trabalho, foi acontecendo aos poucos, com o fim da coletivização da terra em 1984, ou quando a propriedade imobiliária privada nas cidades começou em 1998.
Depois do crescimento vertiginoso dos anos 90, na gestão de Jiang Zemin, o atual presidente, Hu Jintao, e o premiê, Wen Jiabao, prometeram a construção de uma "sociedade harmoniosa" em que investiriam pesado para reduzir as desigualdades.
Promoveu-se o fim de impostos abusivos sobre camponeses, aumentos no orçamento das áreas de educação e saúde e medidas enérgicas contra a destruição ambiental.
Mas nem o anúncio de um pacote de US$ 580 bilhões para amortecer o iminente impacto da recessão global e estimular a economia, anunciado no mês passado, não garantiu otimismo para a celebração de 30 anos da nova China.


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