São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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EUA

Embora legítima e disseminada, indústria da influência atrai suspeitas que se agravaram após o escândalo Abramoff

Lobby movimenta US$ 2,1 bi em Washington

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Fazer lobby é uma das indústrias mais prósperas e lucrativas em Washington. Os 27.600 lobistas movimentam anualmente US$ 2,1 bilhões. Têm como clientes associações -empresariais, ambientalistas- e são pagos para influenciar as decisões dos deputados e senadores, da Casa Branca, dos ministérios e de duas centenas de autarquias.


A pessoa que ajuda o deputado ou o senador a conquistar um novo mandato será a mesma que tentará influenciar seu voto no plenário

Mas não é só isso. Alex Knott é pesquisador do Center for Public Integrity (centro pela integridade pública), especialista nos efeitos do dinheiro na política americana e coordenador do projeto "The Buying of the President 2004" (a compra do presidente), terceira pesquisa sobre as finanças das campanhas presidenciais. Ele mencionou à Folha dois fatos curiosos que sua instituição descobriu sobre os lobbies.
Parte das campanhas eleitorais é financiada por grupos de interesse que não dependem dos partidos ou do comando de campanha dos candidatos. Eles se chamam comitês de ação política, ou PAC, na sigla em inglês, e não têm limites legais para seus gastos.
Pois 860 desses comitês foram criados e são geridos por lobistas. Nas eleições de 2004, quase 80 dos 535 congressistas tinham como tesoureiro de campanha alguém fornecido pelo lobby de amigos.
"É algo muito comum", diz outro especialista, Massie Ritsch, diretor de uma segunda instituição que vigia nos EUA a relação entre política e dinheiro, o Center for Responsive Politics (centro pela política responsiva).
"A pessoa que ajuda o deputado ou o senador a conquistar um novo mandato será a mesma que tentará influenciá-lo no voto em comissões ou no plenário, em nome de algum interesse geralmente empresarial. O que tem um cheiro meio suspeito", afirma.
Isso tudo pode gerar a impressão de que em Washington as coisas funcionam como um grande balcão de negócios. Não é, em geral, bem assim, dizem os dois especialistas. Fazer lobby é um direito assegurado pela Constituição americana -a Primeira Emenda fala em "peticionar o governo". Os lobistas se integraram sem maiores problemas éticos à rotina legislativa e administrativa.
Mas os lobbies entraram no ano passado em evidência em razão do escândalo que enroscou o lobista Jack Abramoff, que vem sendo investigado na Justiça por propinas e extorsão. O episódio respingou em Tom DeLay, então líder da bancada republicana na Câmara, que responde a processo por caixa dois eleitoral.
"A atividade do lobista sempre foi objeto de certo estigma, algo de honestidade duvidosa", diz Alex Knott. Massie Ritsch complementa: "Muitos eleitores escrevem ou telefonam para seus deputados. Eles pressionam sem gastar dinheiro. É por isso que desconfiam da pressão feita por um lobista muito bem pago."
Essa reputação complicada sofreu uma recente agravante. "Nos últimos anos o lobista também se tornou o profissional que levanta recursos para as campanhas eleitorais dos congressistas. Os deputados, para se reeleger, dependem cada vez mais deles", diz Ritsch.
O especialista chama a atenção para outro detalhe. Desde 2002 vigora uma lei que limita a contribuição de empresas e estimula as doações de pessoas físicas às campanhas para cargos eletivos federais. Neste ano, um cidadão só pode doar US$ 2.100 por candidato.
O lobby é sempre bem-relacionado. Pode mobilizar sua extensa rede de contatos. Por isso, o lobista não deixará sem recursos a campanha de seu candidato.
Daria então para perguntar, em razão dessa relação perversa, se o parlamentar deixa de representar seus eleitores para fazer apenas o jogo dos lobistas. A suspeita é óbvia, mas os dois especialistas dão respostas bem cuidadosas.
Knott diz, por exemplo, que o lobista acaba se tornando uma espécie de assessor parlamentar. Ele tem como calcular quantos empregos na indústria evaporariam no distrito eleitoral de um deputado, caso o Congresso aprovasse um acordo comercial com determinado país. Em outras palavras, o lobista trabalha no atacado para derrotar esse acordo comercial e, no varejo, organiza a agenda de argumentos com que o deputado se apresentará a seus eleitores.
Ritsch destaca outro aspecto da questão. Se o projeto em plenário autoriza a exploração de petróleo nas reservas do Alasca, o deputado será abordado pelo lobby ambientalista e pelo das empresas petrolíferas. Será pressionado por interesses opostos. Em tese, não votará segundo os interesses de apenas um grupo.
Esse pluralismo nos lobbies explica o fato de existirem mais de 50 lobistas em Washington para cada deputado ou senador. Se todos operassem no Congresso, e não é o caso, haveria teoricamente dois lobistas de posição oposta para cada congressista, em 25 questões da pauta parlamentar.
Há por fim o fato de os dois maiores partidos políticos não tirarem proveito idêntico dos lobbies. Os republicanos de George W. Bush, maioria na Câmara e no Senado, têm ampla vantagem.
O "Washington Post" revelou há pouco mais de dois anos que 33 dos 36 postos de comando da rua K, em que os lobbies têm seus escritórios na capital americana, estavam em mãos de republicanos. O Partido Republicano instrumentalizou as vagas de bons empregos no setor.
Há aí algo previsível, diz Knott. Como são majoritários, os republicanos são também quem decide. Seria contraproducente gastar energia e dinheiro em lobby pesado junto à minoria democrata.
Ritsch diz, por sua vez, que os republicanos têm ligações históricas com os lobbies corporativos porque o partido e as grandes empresas dividem as mesmas idéias conservadoras. Nos tempos de hegemonia política dos democratas -grosso modo, antes de 1994- aquele partido era menos apoiado pelos lobbies, mas em compensação possuía, como ainda o faz, o apoio da maioria dos sindicatos, que são fonte importante de dinheiro e de mão-de-obra voluntária para as campanhas eleitorais.


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