São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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ARTIGO

O fantasma da Grande Albânia

DANIEL VERNET
DO "MONDE"

O ano era 1999. Antes da intervenção da Otan contra a Sérvia. Mas a situação em Kosovo fervilhava. A comunidade albanesa da Macedônia também se encontrava em ebulição. Em Tetovo, o antigo prefeito Alajdin Demiri, que tinha sido preso por hastear a bandeira albanesa no mastro da prefeitura, se fez de ingênuo: "A Grande Albânia? Que Grande Albânia?
Mesmo que nos uníssemos aos albaneses da Albânia e de Kosovo, além de alguns outros, seria uma pequena Albânia quando comparada ao território de nossos antepassados, que se estendia até o Danúbio". A independência de Kosovo põe fim a esse sonho ou relança a chamada "questão albanesa"?
As opiniões dos observadores se dividem, mas a grande maioria tende a favorecer a primeira hipótese. Dois Estados albaneses vão coexistir. Sob o titulo "Existe uma questão albanesa?", um ensaio publicado pelo Instituto de Estudos de Segurança da União Européia concluiu que os interesses dos albaneses da Albânia, de Kosovo, da Macedônia (onde formam entre 20% e 30% da população), de Montenegro (eles são 5%) e do vale de Presevo, no sul da Sérvia, são suficientemente distintos para que não cogitem em se unir -estão mais preocupados com as dificuldades do cotidiano do que com uma luta ideológica.
Até nova ordem, os líderes dessas comunidades preferem reinar sobre seus respectivos redutos a digladiar-se entre eles para conquistar a hegemonia num eventual Estado unificado. Desde a queda do regime comunista, os governos de Tirana optaram por uma política regional prudente, sendo seu principal objetivo a entrada na Otan e na União Européia.
Um Grande Kosovo que incluísse o vale de Presevo, chamado por seus habitantes de "Kosovo oriental", e a parte ocidental da Macedônia, povoada por albaneses, poderia sem dúvida ser uma alternativa à Grande Albânia. Mas se os dirigentes kosovares o quisessem, certamente seriam dissuadidos da idéia pelos países ocidentais, que lhes concederam uma independência "vigiada". A soberania de Kosovo continua limitada, especialmente no tocante à política externa.
Quando reconheceram a independência das ex-repúblicas iugoslavas, os países ocidentais recusaram uma redefinição das fronteiras: nem partilha, nem ampliação. A independência de Kosovo, que não era república da Federação Iugoslava mas região autônoma da Sérvia, é uma derrogação que se tornou inevitável devido à política de limpeza étnica de Milosevic e à guerra de 1999. Não tendo conseguido fazer de Kosovo um Estado multiétnico, os países ocidentais precisam agora impedir o ressurgimento dos fantasmas que são as idéias de reagrupar cada povo em seu próprio Estado -fantasmas esses que tantas vezes já atearam fogo aos Bálcãs.


Tradução de CLARA ALLAIN


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