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COMENTÁRIO
Fantasmas do aniversário da guerra
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Um ano de ocupação no Iraque
produziu um quadro muito mais
heterogêneo do que o presidente
George W. Bush e seus estrategistas incluíram em seus planos de
guerra e com um saldo negativo
em manchetes que o texano e seus
falcões parecem não ter previsto.
Aliás, a Casa Branca parece ter
se planejado para a situação inversa. Quem diria que "libertar" o
Iraque do sanguinolento Saddam
Hussein era a parte fácil da promessa, e difícil seria implantar a
democracia entre os "libertos"?
Não há como, nem porque, argumentar que a derrocada de
Saddam não seja um enorme bem
para os iraquianos. Eles atestaram
isso em pesquisa recente. Além
disso, a ofensiva militar, que os
EUA temiam se estender por meses em sangrentos combates com
a temida guarda de elite de Saddam, acabou em fulminantes três
semanas. O ditador desapareceu e
nove meses mais tarde foi pego
acuado em um buraco, episódio
que produziu uma imagem triunfante com a qual Washington não
deve ter sonhado nem em seus
momentos mais otimistas.
E, ainda assim, a decisão de
Bush está sendo amplamente
questionada, o motivo para a invasão está em xeque e, pior, seu
prognóstico para um Iraque democrático parece tão distante
quanto tortuoso. Onde ele errou?
Errou em pelo menos dois aspectos. Primeiro, ao apostar que
Bagdá, por não ter destruído o arsenal químico que possuía até
1991 na frente dos inspetores da
ONU, só poderia estar escondendo as armas proibidas com o objetivo de atacar os EUA ou seus
aliados. Não estava, como constatou uma equipe de mais de mil especialistas britânicos e americanos que passou meses no país, e
como foi obrigado a admitir, ao
menos como hipótese, um constrangido secretário Colin Powell.
Segundo, ao não prever que um
país em que as divisões étnicas e
religiosas são tão ríspidas, localizado em uma região formada essencialmente de autocracias e
sem história de participação política popular seria um terreno árido demais para a democracia.
Passado um ano, nada, muito
menos a conturbada presença
americana, garante que o sistema
criará raízes ali e renderá os frutos
que Bush esperava na região.
Sem grande experiência, os líderes apontados pelos EUA se desdizem e têm dificuldades tremendas para chegar ao consenso em
questões essenciais. Meses de discussão não produziram nem sequer um modelo de governo transitório aceito pela maioria -e é
essa entidade, cujo formato é uma
incógnita, que tomará posse em
30 de junho, quando os EUA devolvem a soberania ao país.
A esse quadro inóspito soma-se
o fato de a guerra ter posto por
terra uma economia já combalida
por anos de corrupção e de sanções internacionais. Nem o petróleo, cuja segunda maior reserva
do mundo está sob o solo iraquiano, ampara um prognóstico otimista. Ainda falta muito para restaurar a infra-estrutura do setor
após bombardeios e incêndios.
Sem essa renda para custear a
restauração, a investida americana pode se tornar muito mais cara
do que Bush imaginara, e outro
retorno ao Congresso para pedir
mais verba para a operação (já se
foram US$ 240 bilhões) pode incorrer no terceiro erro presidencial -este, aliás, muito mais notório para o eleitorado americano.
Para completar, as forças dos
EUA parecem estar longe de resolver a questão prioritária para
os iraquianos hoje: segurança.
Acostumados com um baixo índice de criminalidade sob Saddam (que usava meios heterodoxos para combatê-la), os iraquianos penaram com a onda de crimes que se sucedeu à guerra e são
acuados por ataques terroristas
quase diários. O que era insurgência contra a ocupação virou
ameaça para os civis iraquianos.
O mundo está livre de Saddam
Hussein. Mas nem Bush nem o
Iraque estão livres de fantasmas.
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