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França desinventa esquerda e direita, 218 anos depois
Rótulos sobrevivem, mas prática de governo aproxima as forças políticas que se opõem desde a Revolução Francesa
"Ségolène está à direita de Jospin e eu estou à direita de Chirac", ironizou Sarkozy; proposta "centrista" de Bayrou seduziu parte do PS
Remy de la Mauviniere/Associated Press
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Mulher passa por cartazes da campanha eleitoral em Paris |
DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS
A França, ou mais exatamente a Revolução Francesa de
1789, inventou os conceitos de
direita e esquerda, a partir da
colocação dos representantes à
Assembléia Constituinte.
Duzentos e dezoito anos depois, é a mesma França que os
está desinventando. É claro que
os socialistas ainda se acreditam de esquerda, como é igualmente claro que a direita continua usando orgulhosamente o
rótulo, ao contrário, por exemplo, do Brasil, em que quase
ninguém aceita ser de direita.
Nicolas Sarkozy diz, com todas as letras, que sua vitória
permitirá o nascimento de "um
sonho ancorado à direita".
Não obstante, recorreu retoricamente, durante a campanha, a um punhado de ícones da
esquerda, do francês Léon
Blum, três vezes primeiro-ministro entre 1936 e 1947, ao italiano Antonio Gramsci, talvez o
mais citado dos pensadores
marxistas, depois de Marx.
O que ajudou a turvar a clivagem direita/esquerda foi, primeiro, o enfraquecimento da
esquerda, ainda aturdida pela
queda do Muro de Berlim e por
ter ficado fora do segundo turno em 2002.
Reconhece, por exemplo,
Jean-Marie Colombani, diretor de redação de "Le Monde",
próximo dos socialistas: "A correlação de forças no país parece
nitidamente favorável à direita
(ao menos se confiarmos nas
pesquisas de opinião), [mas] as
expectativas principais - desemprego, poder de compra-
estão à esquerda".
O sociólogo Alain Touraine,
em artigo para "El País", admite a crise da esquerda: "A palavra [da esquerda] é desinibidamente revolucionária, mas os
atos não a acompanham e a coragem freqüentemente brilha
pela ausência".
No vácuo da crise, surgiu
uma suposta terceira via na figura de François Bayrou, que
seria tido como de direita em
tempos mais claros ideologicamente, tanto que foi ministro
de Jacques Chirac, que não nega ser de direita.
A candidatura Bayrou foi o
pivô da maior crise da campanha da socialista Ségolène Royal, a partir do momento em
que um dos históricos do Partido Socialista, o ex-primeiro-ministro Michel Rocard, defendeu uma aliança já no primeiro
turno entre Royal e Bayrou.
Rocard cometeu a heresia,
aos olhos da maior parte dos
socialistas, de colocar Bayrou
no mesmo campo da esquerda.
Escreveu: "Socialista e europeu
desde sempre, afirmo que sobre as urgências de hoje nada
de essencial separa na França
os socialistas e os centristas.
Sobre o emprego, a habitação, a
dívida, a educação, a Europa,
nossas prioridades são em
grande medida as deles".
Fulminado pelos seus companheiros, Rocard reagiu acusando-os de "guardiães do dogma socialista, que considera
impura toda aliança que não seja com os comunistas".
É um claro sinal da guinada
do PS, que só conseguiu a Presidência, no já remoto ano de
1981, em aliança com o Partido
Comunista, aliás hoje reduzido
a 2,5% das intenções de voto.
Essa guinada permitiu uma
ironia de Sarkozy: "Quero ser
completamente honesto: Ségolène Royal está mais à direita
do que Lionel Jospin [candidato socialista em 2002], e eu estou à direita de Chirac".
Não é bem assim, diz Sally
Marthaler, especialista em Estudos Europeus da Universidade britânica de Sussex: "Ainda
há uma significativa diferença
entre a esquerda moderada de
Royal (ênfase na justiça social)
e a direita moderada de Sarkozy e sua ênfase no liberalismo econômico. Mas tem havido, em geral, um movimento
para a direita, como ocorre
também entre os eleitores".
Tudo somado, não parece
exagerado o grito do eterno
candidato da extrema direita,
Jean-Marie Le Pen: "Estão
roubando as minhas bandeiras".
(CLÓVIS ROSSI)
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