São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

França desinventa esquerda e direita, 218 anos depois

Rótulos sobrevivem, mas prática de governo aproxima as forças políticas que se opõem desde a Revolução Francesa

"Ségolène está à direita de Jospin e eu estou à direita de Chirac", ironizou Sarkozy; proposta "centrista" de Bayrou seduziu parte do PS

Remy de la Mauviniere/Associated Press
Mulher passa por cartazes da campanha eleitoral em Paris


DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS

A França, ou mais exatamente a Revolução Francesa de 1789, inventou os conceitos de direita e esquerda, a partir da colocação dos representantes à Assembléia Constituinte.
Duzentos e dezoito anos depois, é a mesma França que os está desinventando. É claro que os socialistas ainda se acreditam de esquerda, como é igualmente claro que a direita continua usando orgulhosamente o rótulo, ao contrário, por exemplo, do Brasil, em que quase ninguém aceita ser de direita.
Nicolas Sarkozy diz, com todas as letras, que sua vitória permitirá o nascimento de "um sonho ancorado à direita".
Não obstante, recorreu retoricamente, durante a campanha, a um punhado de ícones da esquerda, do francês Léon Blum, três vezes primeiro-ministro entre 1936 e 1947, ao italiano Antonio Gramsci, talvez o mais citado dos pensadores marxistas, depois de Marx.
O que ajudou a turvar a clivagem direita/esquerda foi, primeiro, o enfraquecimento da esquerda, ainda aturdida pela queda do Muro de Berlim e por ter ficado fora do segundo turno em 2002.
Reconhece, por exemplo, Jean-Marie Colombani, diretor de redação de "Le Monde", próximo dos socialistas: "A correlação de forças no país parece nitidamente favorável à direita (ao menos se confiarmos nas pesquisas de opinião), [mas] as expectativas principais - desemprego, poder de compra- estão à esquerda".
O sociólogo Alain Touraine, em artigo para "El País", admite a crise da esquerda: "A palavra [da esquerda] é desinibidamente revolucionária, mas os atos não a acompanham e a coragem freqüentemente brilha pela ausência".
No vácuo da crise, surgiu uma suposta terceira via na figura de François Bayrou, que seria tido como de direita em tempos mais claros ideologicamente, tanto que foi ministro de Jacques Chirac, que não nega ser de direita.
A candidatura Bayrou foi o pivô da maior crise da campanha da socialista Ségolène Royal, a partir do momento em que um dos históricos do Partido Socialista, o ex-primeiro-ministro Michel Rocard, defendeu uma aliança já no primeiro turno entre Royal e Bayrou.
Rocard cometeu a heresia, aos olhos da maior parte dos socialistas, de colocar Bayrou no mesmo campo da esquerda. Escreveu: "Socialista e europeu desde sempre, afirmo que sobre as urgências de hoje nada de essencial separa na França os socialistas e os centristas. Sobre o emprego, a habitação, a dívida, a educação, a Europa, nossas prioridades são em grande medida as deles".
Fulminado pelos seus companheiros, Rocard reagiu acusando-os de "guardiães do dogma socialista, que considera impura toda aliança que não seja com os comunistas".
É um claro sinal da guinada do PS, que só conseguiu a Presidência, no já remoto ano de 1981, em aliança com o Partido Comunista, aliás hoje reduzido a 2,5% das intenções de voto.
Essa guinada permitiu uma ironia de Sarkozy: "Quero ser completamente honesto: Ségolène Royal está mais à direita do que Lionel Jospin [candidato socialista em 2002], e eu estou à direita de Chirac".
Não é bem assim, diz Sally Marthaler, especialista em Estudos Europeus da Universidade britânica de Sussex: "Ainda há uma significativa diferença entre a esquerda moderada de Royal (ênfase na justiça social) e a direita moderada de Sarkozy e sua ênfase no liberalismo econômico. Mas tem havido, em geral, um movimento para a direita, como ocorre também entre os eleitores".
Tudo somado, não parece exagerado o grito do eterno candidato da extrema direita, Jean-Marie Le Pen: "Estão roubando as minhas bandeiras". (CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Imagem de centrista não sustenta Bayrou
Próximo Texto: Entrevista: Para analista, "direitização" derruba Le Pen
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.