São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009

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Mística leva África do Sul a ratificar CNA em eleições de hoje

Partido que liderou combate à segregação luta para superar marca de 66% dos votos, necessária para alterar Constituição; racha recente deu força à oposição

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO

A mística da bandeira preta, verde e amarela do Congresso Nacional Africano, espalhada por milhares de postes da África do Sul, deve dar hoje um mandato de presidente a seu líder Jacob Zuma, na quarta eleição livre pós-apartheid.
Quatro anos de uma luta visceral de facções, que forçaram a deposição do ex-presidente Thabo Mbeki num movimento puramente partidário (sem participação dos eleitores, Parlamento ou Judiciário), não devem ser suficientes para abalar a hegemonia do CNA no país mais importante do continente, palco da Copa do Mundo de 2010. Nem a suspeita de corrupção que paira sobre Zuma.
A previsão é de filas gigantescas nos postos de votação, com 23 milhões de eleitores exercitando um direito que lhes foi negado durante cinco décadas do regime segregacionista branco, encerrado em 1994.
Como disse Zuma no comício final, no último domingo, a "marca" CNA permanece intacta, apesar do racha que levou à criação do Cope (Congresso do Povo), em dezembro. Sentado num sofá um metro atrás estava o maior responsável pelo partido reter muito de sua aura, Nelson Mandela.
Zuma é o candidato, mas o voto é no CNA, o partido que liderou a resistência ao apartheid. "O que nos guia é uma implementação coletiva das políticas da organização. Uma vez que o CNA decide suas políticas, nós todos nos unimos", diz Manto Tshabalala-Msimang, ministra da Presidência.
Ninguém admite, mas a estratégia tem o bônus de minimizar a pressão sobre o polêmico candidato, dado a gafes e frases de efeito. No comício, isso parecia estar funcionando. "Eu gosto do CNA muito mais do que gosto de Zuma", dizia Mbande Fanele, funcionário dos supermercados Shoprite.

Dois terços
A vitória é indiscutível, mas ainda há um elemento de drama na eleição. O número mágico é 66%, a barreira psicológica necessária para mudar a Constituição, embora o partido negue que pretenda mexer nela. No sistema sul-africano, os deputados são alocados na proporção dos votos recebidos pelos partidos. O Parlamento depois elege o presidente.
Uma vitória entre 60% e 66% será um triunfo mediano para o CNA, e abaixo de 60%, um "desastre". Sinal de que a frágil oposição finalmente ganhou musculatura. "Buscamos maioria esmagadora para trabalharmos pelos pobres", diz Lindiwe Zulu, porta-voz do CNA.
Não é mera retórica de campanha. Lentamente, o CNA se viu obrigado a mudar o foco de um partido dos negros para um partido dos pobres.
Hoje há uma classe média negra, com cerca de 3 milhões de pessoas, cuja identificação com o CNA não é a mesma das massas empobrecidas. Muitos tendem a escolher a Aliança Democrática, até hoje vista como o partido dos brancos, liderado pela prefeita da Cidade do Cabo, Helen Zille. E o surgimento do Cope rompeu o monopólio do CNA sobre os negros, que são 80% dos eleitores.
"Raça continua sendo muito importante, mas não é mais o único tema", diz Justin Sylvester, do Instituto para a Democracia na África do Sul. Além disso, diz ele, o CNA passou muito tempo focando a estabilidade econômica, e hoje precisa voltar-se para os pobres.
Zuma, o primeiro presidente sul-africano da etnia zulu, a mais numerosa do país, gosta de exibir sua linhagem tribal, dançando com roupas típicas, mas não tem mais como caracterizar sua campanha como a dos negros contra os brancos, como o CNA fez no passado.
O presidente herdará economia em desaceleração, aumento do desemprego e da xenofobia, criminalidade gigantesca, uma das maiores desigualdades sociais e o maior número de portadores da Aids do mundo.


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