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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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Regime islâmico usa programa para sobreviver

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um país que extrai diariamente 3,8 milhões de barris de petróleo e só utiliza 1,3 milhões para seu consumo interno possui combustível de sobra para produzir eletricidade só por meio de centrais termelétricas. Não precisa de usinas termonucleares.
A tese tem sido reiterada pelos sucessivos governos norte-americanos, ao suspeitarem que o Irã queira produzir a bomba atômica. A resposta iraniana, de que o programa nuclear existe desde bem antes de 1979, quando o xá foi deposto por religiosos xiitas, soa como detalhe desimportante.
É teoricamente compreensível que um país diversifique suas fontes de energia. Mas o problema é mais geopolítico que energético.
O Irã é um dos principais opositores do processo de paz árabe-israelense, ou o que sobrou dele. A ala dura e dominante do regime, ameaçada por crescente insatisfação popular e pela presença dos EUA no Iraque, é visceralmente antiamericana. Quer influir na transição iraquiana, tendo forte ascendência sobre os xiitas mais radicais do vizinho.
O Irã não tem relações diplomáticas com Washington desde o longo sequestro dos ocupantes da embaixada norte-americana em Teerã (novembro de 1979 a janeiro de 1981). Diante das ameaças do governo Bush, que colocou o país num "eixo do mal", tentar produzir uma bomba atômica ou fazer de conta que são esses seus planos tornou-se para o regime islâmico uma das opções de respeitabilidade e sobrevivência.
Mas a postura não é tão simples quanto à da Coréia do Norte, geograficamente isolada e mais que suspeita de utilizar a energia nuclear para fins militares. Isso porque respingam sobre o Irã todos os cálculos que EUA e Europa fazem a respeito do Oriente Médio.
O líder espiritual iraniano, aiatolá Ali Khamenei, é favorável, se necessário, ao isolamento como forma de afirmação da identidade nacional xiita. Foram seus aliados que politizaram as relações entre Teerã e a Agência Internacional de Energia Atômica, confundido salvaguardas com soberania.
Khamenei não deu nos últimos dias declarações públicas. Poderia ter exortado seus partidários a se opor ao abandono do enriquecimento de urânio. É provável que seu silêncio tenha sido ditado pela lógica de impedir o naufrágio do barco iraniano. Ele não prejudicou as negociações conduzidas por homens do presidente Khatami, líder dos moderados.
A crise que hoje envolve o Irã teve como estopim a informação, em setembro de 2002, de que a Rússia forneceria um reator de US$ 800 milhões para as instalações de Bushehr.
Quatro meses depois o secretário-geral da AIEA, o egípcio Mohammad El Baradei, surpreendia-se em visita ao Irã com a dimensão da usina em construção para o enriquecimento de urânio, que poderia produzir plutônio.
A confusão estava criada, e com uma correlação de forças desfavorável ao governo iraniano.


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