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Regime islâmico usa programa para sobreviver
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um país que extrai diariamente
3,8 milhões de barris de petróleo e
só utiliza 1,3 milhões para seu
consumo interno possui combustível de sobra para produzir eletricidade só por meio de centrais
termelétricas. Não precisa de usinas termonucleares.
A tese tem sido reiterada pelos
sucessivos governos norte-americanos, ao suspeitarem que o Irã
queira produzir a bomba atômica. A resposta iraniana, de que o
programa nuclear existe desde
bem antes de 1979, quando o xá
foi deposto por religiosos xiitas,
soa como detalhe desimportante.
É teoricamente compreensível
que um país diversifique suas fontes de energia. Mas o problema é
mais geopolítico que energético.
O Irã é um dos principais opositores do processo de paz árabe-israelense, ou o que sobrou dele. A
ala dura e dominante do regime,
ameaçada por crescente insatisfação popular e pela presença dos
EUA no Iraque, é visceralmente
antiamericana. Quer influir na
transição iraquiana, tendo forte
ascendência sobre os xiitas mais
radicais do vizinho.
O Irã não tem relações diplomáticas com Washington desde o
longo sequestro dos ocupantes da
embaixada norte-americana em
Teerã (novembro de 1979 a janeiro de 1981). Diante das ameaças
do governo Bush, que colocou o
país num "eixo do mal", tentar
produzir uma bomba atômica ou
fazer de conta que são esses seus
planos tornou-se para o regime
islâmico uma das opções de respeitabilidade e sobrevivência.
Mas a postura não é tão simples
quanto à da Coréia do Norte, geograficamente isolada e mais que
suspeita de utilizar a energia nuclear para fins militares. Isso porque respingam sobre o Irã todos
os cálculos que EUA e Europa fazem a respeito do Oriente Médio.
O líder espiritual iraniano, aiatolá Ali Khamenei, é favorável, se
necessário, ao isolamento como
forma de afirmação da identidade
nacional xiita. Foram seus aliados
que politizaram as relações entre
Teerã e a Agência Internacional
de Energia Atômica, confundido
salvaguardas com soberania.
Khamenei não deu nos últimos
dias declarações públicas. Poderia
ter exortado seus partidários a se
opor ao abandono do enriquecimento de urânio. É provável que
seu silêncio tenha sido ditado pela
lógica de impedir o naufrágio do
barco iraniano. Ele não prejudicou as negociações conduzidas
por homens do presidente Khatami, líder dos moderados.
A crise que hoje envolve o Irã teve como estopim a informação,
em setembro de 2002, de que a
Rússia forneceria um reator de
US$ 800 milhões para as instalações de Bushehr.
Quatro meses depois o secretário-geral da AIEA, o egípcio Mohammad El Baradei, surpreendia-se em visita ao Irã com a dimensão da usina em construção para
o enriquecimento de urânio, que
poderia produzir plutônio.
A confusão estava criada, e com
uma correlação de forças desfavorável ao governo iraniano.
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