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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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ANÁLISE

Igreja ultrapassa divisão entre conservadores e progressistas

JUAN ARIAS
DO "EL PAÍS"

Os meios de comunicação costumam dividir os cardeais, salomonicamente, em dois grupos: conservadores e progressistas. Mas a situação não é tão simples. Por definição, dificilmente se poderia classificar um membro da hierarquia institucional da igreja de progressista.
D. Hélder Câmara ou d. Pedro Casaldáliga, bispos que fustigaram o regime militar brasileiro e criticaram a ortodoxia da igreja, jamais ascenderam à púrpura cardinalícia. Pode-se, no máximo, classificar alguns cardeais de "menos conservadores" do que outros. Ma há muitos matizes.
A distinção entre conservadores e progressistas não serve para a hierarquia, já que, por exemplo, existem cardeais com grande abertura social (especialmente no Terceiro Mundo), mas muito rigorosos quanto às questões de doutrina. E, por outro lado, há cardeais mais abertos em termos doutrinários (alguns norte-americanos), mas pouco sensíveis a temas de justiça social.
Curiosamente, João 23 e João Paulo 1º eram dois cardeais de piedade muito tradicional, conservadores em termos religiosos, mas muito empenhados na luta contra a riqueza na igreja.
No próximo conclave, os grupos de pressão seguirão critérios diferentes, não havendo a clássica distinção entre conservadores e progressistas. Haverá dois grandes blocos: os que desejam que o poder do papa continue sediado em Roma, cercado pelo dogma da infalibilidade, e os que desejam que esse poder se transfira para a periferia e advogam maiores poderes para as conferências episcopais. Algo que Paulo 6º quase aceitou, tendo provavelmente sido impedido pela Cúria Romana.
O tema é tão importante que João Paulo 2º entregou aos cardeais, no dia simbólico de suas bodas de prata como papa, em 16 de outubro, um documento em que defende o poder de Roma e critica a corrente que advoga maiores poderes para os bispos. É quase seu testamento.
Outros grupos são os que se concentram em torno da Companhia de Jesus e do Opus Dei. No conclave anterior, o Opus Dei ainda não havia sido legalizado, ainda que o eleito fosse seu candidato e simpatizante. Ambos os grupos têm visões diferentes sobre o papel da igreja e sobre o ecumenismo. E lutarão para eleger um papa que defenda suas idéias.
Pela primeira vez, o papa não terá de gastar suas energias na luta contra o comunismo, visto como o grande inimigo da igreja. Isso torna o novo conclave algo inédito. Mas a igreja sempre precisa de um inimigo. Será que o papel será dado ao islamismo, cujo número de fiéis se aproxima do total do cristianismo? Ou ele será dado às seitas evangélicas, que crescem vertiginosamente -sobretudo na América Latina, a maior fábrica de católicos do mundo?


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