São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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EUROPA À DIREITA

Para a francesa Catherine Wihtol de Wenden, limitar a entrada de estrangeiros é atitude "irresponsável"

"Imigração é modernização", diz analista

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

A questão da imigração esteve no centro dos debates da cúpula da União Européia (UE) em Sevilha, que reuniu entre sexta-feira e ontem os líderes dos 15 países-membros do bloco. Para a cientista política francesa Catherine Wihtol de Wenden, o objetivo dos líderes foi responder à expansão da extrema direita na Europa e reduzir a defasagem entre as decisões nacionais e as formulações conjuntas no âmbito da UE.
"A impressão que se tem é que os países não acreditam no sistema que fabricaram, daí essa defasagem, essa resistência, entre a soberania nacional e a concretização da Europa", diz.
De Wenden é diretora de pesquisas no Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais, especialista em migrações internacionais. Na sua opinião, a imigração exige hoje leis mais flexíveis, e o controle das fronteiras, sobre o qual têm insistido os governos, é apenas um pequeno aspecto do problema.
"A imigração é uma fonte de divisas, de modernização das mentalidades e de desenvolvimento político e democrático", diz ela, na entrevista a seguir.

Folha - Por que a imigração voltou a ser um problema central para os políticos europeus?
Catherine Wihtol De Wenden -
Por causa da expansão da extrema direita no continente e porque os partidos populistas destacaram o tema em seus programas. Isso causou defasagem entre as várias sanções nacionais à questão e um sistema solidário entre os países cujo objetivo deveria ser a europeização das decisões.

Folha - A decisão de abordar o tema agora de uma maneira mais severa não seria demagógica, apenas um modo de responder às pressas ao sucesso da extrema direita?
De Wenden -
Os países estão engajados na questão há mais de 20 anos. Então, o que ocorre agora é que se está reforçando um dispositivo a fim de torná-lo mais unificado. Mas, efetivamente, estamos num contexto mundializado, e o controle das fronteiras territoriais não é senão uma pequena parte do problema.

Folha - Como regular o problema da imigração hoje?
De Wenden -
Seria preciso uma grande vontade política, uma certa crença dos diferentes países na eficácia de um sistema mais europeizado. A impressão que se tem é que os países não acreditam no sistema que fabricaram, daí essa defasagem, essa resistência, entre a soberania nacional e a concretização da Europa. Seria preciso harmonizar as políticas de imigração -o visto, a permanência, a definição de asilo, nos termos das Convenções de Genebra. No momento, o que se têm é um mosaico de situações.

Folha - Seria preciso mudar o status legal do imigrante?
De Wenden -
Claro. Temos um sistema de visto que é muito rígido, que corresponde a um modelo de imigração de 15, 20 anos atrás. Seria preciso aceitar uma fórmula intermediária, que permitisse idas e vindas, as formas diversas de mobilidade, o acesso dos estudantes ao trabalho -toda uma série de medidas que dotaria de mais flexibilidade um sistema extremamente rígido.

Folha - A França parece ser mais liberal sobre o problema, não?
De Wenden -
Em parte. Aqui, por razões eleitorais talvez, não se abordaram questões importantes como a da mão-de-obra, que permitiria lutar mais eficazmente contra o emprego clandestino e o tráfico de trabalhadores.

Folha - Qual a importância do trabalho de imigrantes?
De Wenden -
Na França, há 1,6 milhão de estrangeiros ativos. Há setores em que raramente os franceses se candidatam para ocupar os cargos -todos aqueles que são considerados trabalhos duros e mal remunerados. Esses setores funcionam bastante com o trabalho do estrangeiro e também de clandestinos, em parte.

Folha - A regulação da imigração não implica também a do trabalho na Europa?
De Wenden -
Claro. Nós não temos um sistema europeu do trabalho.

Folha - O que a sra. pensa a respeito da hipótese de os países europeus pressionarem economicamente os países de onde provêm os imigrantes?
De Wenden -
Penso que essa posição é muito perigosa. Ela pode levar a restrições em termos de mercado e de zona de influência para a Europa e deixar a porta aberta dos países para outras regiões do mundo, como os EUA e o Canadá. É uma atitude irresponsável. Além disso, não estou certa de que os países de onde vêm os imigrantes tenham meios de controlar as fronteiras, porque muita gente emigra individualmente. Os Estados não podem controlar a decisão individual das pessoas. A imigração é uma fonte de divisas, de modernização das mentalidades e de desenvolvimento político e democrático.

Folha - Por que há europeus que temem tanto a imigração?
De Wenden -
Porque têm medo de que seus países se desfaçam no processo da mundialização. Têm medo do outro, da diferença. O medo é também devido à mudança nas identidades.


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