São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RÚSSIA

Números divulgados pela Interfax não incluem civis

Conflito na Tchetchênia matou quase 18 mil em menos de 3 anos

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Desde que as forças russas voltaram à república secessionista da Tchetchênia, em setembro de 1999, 13.517 rebeldes tchetchenos e 4.249 militares russos morreram num dos mais sangrentos conflitos do planeta, segundo informação divulgada ontem pela agência de notícias Interfax, que ouviu oficiais russos do Comando Conjunto do Norte do Cáucaso -que preferiram não identificar-se.
A resposta de Moscou não tardou. "Esses números não são oficiais. Os últimos dados oficiais, divulgados pelo ministro da Defesa em março, dão conta da morte de 3.770 soldados russos e de 12.796 rebeldes", declarou um porta-voz do Kremlin que trabalha com a questão tchetchena.
"Esses números não são contraditórios. Visto o nível da violência utilizada por ambas as partes envolvidas nos enfrentamentos, nada impede que o número de mortos tenha aumentado tanto de março a julho", afirmou à Folha Mark Kramer, diretor do Projeto de Estudos sobre a Guerra Fria da Universidade Harvard (EUA).
"A Rússia faz uso de mais soldados na segunda campanha na Tchetchênia do que na primeira e não poupa artilharia pesada nem bombardeios aéreos. Com isso, logicamente, há mais mortes de ambos os lados", acrescentou.
Ademais, para Andrew Bennett, autor de "Condemned to Repetition: The Rise, Fall and Reprise of Soviet-Russian Military Interventionism, 1973-1996" (condenado à repetição: ascensão, queda e repetição do intervencionismo militar soviético-russo, 1973-1996), o número de mortos no atual conflito tchetcheno deve ser bem superior ao divulgado oficialmente.
"A conta dos russos não é o que poderíamos chamar de transparente, pois, por exemplo, eles não classificam os soldados que são feridos na Tchetchênia, mas que morrem em outras partes da Rússia, de "baixas do conflito tchetcheno". Assim, como dizem as organizações humanitárias, o número de mortos é superior ao anunciado", apontou Bennett.
"Além disso, do lado tchetcheno, as mortes de civis não são computadas, o que também enviesa a análise dos fatos. Até o início deste ano, organizações especializadas falavam em cerca de 35 mil mortos tchetchenos desde setembro de 1999. Todavia é muito complexo obter provas concretas que sustentem qualquer tese relacionada ao número de vítimas, já que fontes imparciais não têm acesso à região", completou.
De fato, organizações humanitárias russas, como o Comitê das Mães de Soldados, sustentam que o balanço real dos mortos pode ser até três vezes mais elevado do que o divulgado. Somente na última semana, 32 soldados russos e 67 guerrilheiros tchetchenos morreram na república separatista.

Geopolítica
O conflito tchetcheno é bastante complexo geopoliticamente. Afinal, trata-se de uma república russa, e a comunidade internacional quer evitar qualquer ingerência em questões internas do país -sobretudo após os atentados de 11 de setembro último.
"Tudo mudou após os ataques terroristas. Até julho de 2001, às vezes, a comunidade internacional ainda condenava a truculência russa na Tchetchênia. Contudo não podemos esquecer que os rebeldes também cometem atos bárbaros. Com isso -e graças à necessidade dos EUA de conseguir a anuência de Moscou à sua guerra ao terrorismo-, os rebeldes se transformaram em "terroristas", o que dá a Vladimir Putin [presidente da Rússia" liberdade para agir", explicou Kramer.
Assim, as reações das potências ocidentais se resumem a uma condenação retórica cada vez menos frequente. Ontem, durante uma conferência realizada perto de Moscou, o embaixador americano Alexander Vershbow afirmou esperar que o governo russo viesse a ter "a coragem de buscar uma solução política para a sangrenta guerra na Tchetchênia".
Já Alvaro Gil-Robles, comissário para os direitos humanos do Conselho da Europa, disse que as autoridades russas não estavam fazendo o suficiente para pôr fim às violações aos direitos civis registradas na Tchetchênia, ainda de acordo com a agência Interfax.
Assim, por razões geopolíticas "maiores", embora mate mais do que o conflito israelo-palestino (pouco mais de 2.000 vítimas em quase dois anos), a guerra tchetchena continua quase esquecida.


Com agências internacionais


Texto Anterior: Oriente Médio: Israel ataca casa de líder do Hamas e mata 11
Próximo Texto: Panorâmica - EUA: Bush suspende verba de US$ 34 mi programa da ONU para planejamento familiar
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.